sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Alma Humana


Ao contrário de Amour, de Michael Haneke, que parece ter-nos roubado a capacidade de transformar em palavras o que sentíamos pelo esmagamento da intensidade afectiva a que somos sujeitos, Jagten (A Caça) de Thomas Vinterberg (Dogma 95), obriga-nos a procurar palavras para verbalizar o insuportável desconforto de nos vermos espelhados na escuridão da alma humana. Não querendo entrar em grandes comparações, digo apenas que a Palma de Ouro ficaria MUITO melhor entregue ao filme de Vinterberg, que teve em Mads Mikkelsen o prémio de melhor actor.

Não me vou perder em elogios aos brilhantes actores que contracenam com o magistral Mikkelsen. Somente dizer que Annika Wedderkopp (Klara-criança) com o seu olhar doce e perdido faz-nos sentir que a sua fragilidade e desamparo só pode ser real.

Apesar da liberdade de cada um pensar que o filme trata desta ou daquela questão (também vou exercer a minha), o tema principal do filme, como o próprio Vinterberg referiu numa entrevista, não é a pedofilia, como seria fácil supor. Segundo o realizador a ideia para o filme foi-lhe apresentada por um psicólogo, e nela estavam as fantasias de abuso sexual criadas pelas crianças. Uma década depois, quando procurou fazer terapia, Vinterberg decidiu ligar ao mesmo psicólogo dizendo-lhe: “Para ser educado, decidi ler aquele material e fiquei chocado” com o elevado número de falsas acusações de pedofilia.

Para os que estão familiarizados com a Psicanálise o tema das fantasias de abuso sexual não são novas. Freud, nos seus trabalhos iniciais, desenvolveu a “Teoria da Sedução” onde, com base nas descrições dos seus pacientes e da sua auto-análise terá considerado que as crianças teriam sido sujeitas a seduções de cariz sexual por parte dos adultos, principalmente familiares. Perante alguns factos Freud viu-se forçado a abandonar as suas formulações acerca da cena de sedução e a substituir a crença na realidade desta cena pela suposição de que a sedução seria uma construção, em termos de fantasia, do próprio sujeito. Assim, a cena de sedução não possui correspondência na realidade externa – apesar de recorrer a alguns indícios dessa realidade – mas, trata-se de uma construção, uma “realidade psíquica”. Em 1897 numa carta a Fliess, Freud expressou a sua insatisfação com a teoria da sedução, afirmando ter deixado de acreditar na “neurótica”. (Para os interessados no tema, é importante referir que há nesta questão muitas nuances, que permitem várias leituras sobre o abandono da teoria de sedução).

Agora o filme

A Caça é um filme absolutamente claustrofóbico onde o espaço e o tempo (bomba relógio) se encolhem de forma pautada até ao intolerável. Como num terrível pesadelo, queremos gritar mas da nossa boca não sai nenhum som, ninguém nos pode ouvir, ou melhor, ninguém nos quer ouvir. Queremos fugir mas não podemos. Estamos destinados, como Lucas, a viver sem esbracejar. Estamos a ver tudo, sabemos tudo, e sofremos porque nós somos Lucas. Presos num magnetismo inexplicável assistimos colados na cadeira, com suores frios à mistura, a um filme pungente, devastador.

Este é um filme sobre o ser humano, um objecto de estudo, onde da pureza, da inocência e do horror na infância se passa para tormentos da adolescência e se termina numa despedaçada vida adulta. Todos estes tempos se cruzam e são interpretados por personagens diferentes. Vinterberg põe a nu a agressividade existente em todos nós e a forma fácil dela se fazer presente. Espicaçado na capacidade destruidora, o grupo (caçadores) encontra na presa (caça - Lucas) a satisfação do instinto destrutivo. Dirigido com uma crueza arrepiante, Vinterberg, põe a nu os aspectos sombrios da alma humana, seja criança, adolescente ou adulto. Sendo, neste caso, uma criança (as crianças gozam de um olhar particularmente distorcido por parte dos adultos), o sentimento é ainda mais aterrador.

Este filme deveria passar em todas as faculdades de Psicologia. Não faria mal nenhum a magistrados, e a todas a áreas do saber ligadas a esta problemática.


Mais que imperdível, indispensável




psicologia clínica

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