quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Padrão Relacional das Escolhas Afectivas


Em relação à compulsão à repetição, Freud referiu que se trata de uma forma de não pensarmos, de não recordarmos as experiências dolorosas.
Muitas das “escolhas afectivas” que fazemos permitem repetir as nossas relações traumáticas sem termos que lidar os seus aspectos traumáticos. Na repetição há uma negação dos aspectos negativos.
Não deve, portanto, considerar-se uma coincidência, a “escolha” de parceiros diferentes para “relações idênticas”.
Logo, os aspectos negativos da relação anterior reaparecem nas novas relações.
Normalmente, esta compulsão à repetição não é consciente e, portanto, é necessário que seja explorada num cenário psicoterapêutico. Se assim não for, ao invés de compreender o fenómeno, repete-se a necessidade de escapar ao contacto com a experiência dolorosa.
Somente a elaboração da experiência passada permite, verdadeiramente, alterar o padrão relacional.

domingo, 20 de outubro de 2013

Id, Ego e Superego - 2ª Tópica para principiantes




psicologia clínica

Psicoterapia - O sintoma como trampolim para o devaneio

Thomas Ogden descreve a psicoterapia e / ou a psicanálise como uma oportunidade para o devaneio. Ele cita R.M. Rilke, 1904

“I hold this to be the highest task of two people; that each should stand guard over the solitude of the other.”

Ogden recorda-nos que não só temos partes sexuais do corpo que são privadas, como também temos processos mentais privados, que podem ser compartilhados, ou não, como assim entendermos. A concepção da psicoterapia como promotora do devaneio e da presença de um mundo interno privado, contrasta com uma das regras fundamentais de Freud de que devemos instruir os nossos pacientes a dizerem-nos o que está na sua mente.

Pelo contrário, refere Ogden, nós temos que ajudar os nossos pacientes a expandir os seus devaneios e, em seguida, escolher o que desejam compartilhar connosco. Ogden vê essa regra de Freud como contra-terapêutica, pois o nosso objectivo como terapeutas é incentivar e orientar em vez de ditar o que deve ser feito. Pacientes deprimidos, ansiosos, obsessivos e histéricos não conseguem ter devaneios, porque os sintomas sequestraram o seu cérebro de tal forma que eles estão restringidos no que "escolher" para poder ser pensado.

Aqui, a escolha da palavra implica uma escolha inconsciente, onde, por razões misteriosas, o cérebro do paciente está em shut-down e, como tal, estão limitados na capacidade de aceder ao seu próprio cérebro. É como se tivessem uma casa muito grande, mas todos os quartos estão fechados, e o paciente tem medo de encontrar a chave, pois ele teme o que vai encontrar, de modo que circunscreve-se a um pequeno quarto, onde sabe o lugar de tudo.

Para Ogden, que ao conseguirem a chave os pacientes vêem a exploração da casa, do cérebro, como um devaneio, como uma fonte de mais pensamento, ao invés de um lugar que temem, seja tão doloroso que possam ficar presos na dor. A ironia aqui é que os pacientes estão presos, mas temem avançar, pois podem ficar presos de uma forma diferente e a mudança é assustadora.

O conceito de devaneio está associado a um espaço de interesse, de curiosidade e de livre flutuação de ideias, em vez de dor e sofrimento. Ser curioso é pensar, enquanto sentir a dor é o estreitamento, é ser autocentrado. Orientar os pacientes para a curiosidade, longe do seu foco no sintoma, é o coração da psicoterapia. Outros tipos de psicoterapia trabalham ao contrário, concentram-se nos sintomas e desencorajam a curiosidade. Pode dizer-se que eles se complementam e os pacientes podem beneficiar de ambos. Ogden refere, que seria tentado a concordar, mas o alívio a longo prazo vem do pensar sobre o pensar e de desafiar os nossos pacientes a questionar o que os sintomas significam para eles, de forma a usar o sintoma como um trampolim para devaneio.

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Psicoterapia

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Modernices

Não tenho em boa conta os Experts em crianças. Eles que me desculpem, não se trata de nada pessoal, mas os estragos que têm produzido são consideráveis e proporcionais às “teorias” que desenvolvem. A forma como surgem, se disseminam e se fixam certas crenças culturais de como cuidar das crianças, quase sem questionamento, também é uma questão interessante.

A parentalidade é uma das tarefas mais difíceis e intensas que é colocada ao ser humano, não só pelas exigências, principalmente, emocionais, mas também porque remexe com as nossas próprias experiências de termos sido cuidados pelos nossos pais.

Entre as formas de lidar com medos, inseguranças e até algum desespero, inerentes à parentalidade, está o aferrar a certas crenças colhidas aqui e acolá. Naturalmente, os pais fazem aquilo que consideram ser melhor para os filhos, e fazem-no na convicção de que está “correcto”. Gostam dos filhos e procuram dar-lhes o melhor que podem e sabem.

O instinto natural de cuidar quando bloqueado pelas dúvidas abre espaço para a crença e não faltará quem, com a maior das generosidades, venha dizer como se faz. Então, a mãe, a verdadeira especialista, deixa uma via aberta para a crença e a expertise de que alguns se fazem donos.

Como refere Darcia Narvaez, em “Modern parenting may hinder braindevelopment, research shows”, certas práticas tornaram-se comuns na nossa cultura. Entre as mais habituais estão o fechar as crianças nos quartos e o retardar a resposta a um bebé agitado, inquieto que reclama por cuidados, para que não fique estragado com mimos.

A amamentação, a resposta pronta ao choro, o contacto corporal constante são, segundo Narvaez, práticas parentais ancestrais que, como se conclui das investigações, contribuem para o desenvolvimento cerebral, para a formação da personalidade e a saúde em geral, mas que fruto de “práticas modernas” foram esquecidas, caíram em desuso e como corolário disso surgiu uma epidemia de doenças mentais nas crianças: distúrbio hiperactivo com défice de atenção, depressão, ansiedade, etc.

As crianças são diferentes umas das outras, e o que funciona para uma pode não ser o melhor para outra. O “segredo” está na capacidade de a cada momento procurar compreender o que a criança nos quer dizer com um choro, com uma birra ou com ataque de fúria. Pais e filhos criam o seu próprio dialeto e é nessa aprendizagem sem dicionário que se inscreve, com rasuras e erros de interpretação, o texto, que lido e relido e tantas vezes reescrito, que vulgarmente chamamos vida.



psicologia clínica

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Como escolher um Psicólogo

O artigo do J. Shedler Some Advice on Choosing a Therapist faz-me recordar algo que se passou comigo. Certo dia um amigo procurou-me porque após o falecimento de um familiar entrou em grande sofrimento, que acabou por despertar outros problemas. Estava decidido a procurar um psicólogo mas era um mundo estranho para ele, e de facto, para todos aqueles que não convivem de perto com estas questões. Nessa altura tentei responder às inquietações que o atormentavam em relação às psicoterapias mas também em relação ao que ele estava a sentir. Ainda que superficiais, as minhas considerações sobre o processo terapêutico foram apreendidas, como acabei por verificar mais tarde.

Fiquei, então, de lhe dar um contacto que entretanto se prolongou demais.

Um dia, após ter consultado um psicólogo liga-me um pouco assustado; a experiência que tinha tido nessa manhã em nada correspondia com o que eu lhe descrevera. Somente abordei aspectos genéricos, pois cada terapia é única, na medida em que também o somos. E, foi exactamente aí, no mais crítico dos aspectos que ele tomou consciência que algo estava errado. Quando o psicólogo lhe fez uma descrição de como a terapia iria decorrer, teve ainda a gentileza de acrescentar algum terror: sofrimento garantido, ao qual, após iniciar a terapia não poderia fugir. Alguns psicoterapeutas têm uma forma bastante perversa de agarrar os pacientes – "você está em fuga". Qual é o paciente que se arrisca a pôr em causa um expert?

Consta que depois de iniciar a sua terapia com outro terapeuta a vida do meu amigo seguiu em frente, e eu fico sempre contente quando isso acontece.


Psicoterapia