quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Notas sobre Os Ataques de Pânico # 3


O pânico constitui uma tentativa extrema de tornar o desamparo apreensível para o psíquico. A especificidade metapsicológica do pânico situa-o dentro do campo dos estados em que a angústia é extrema e transbordante.

Paradoxalmente, o sujeito em pânico não busca escapar do incognoscível, nem dos restos irredutíveis à simbolização. Esses constituem a fonte de onde podem jorrar e realizar-se todos os possíveis, isto é, eles são a fonte potencial do traumático. No pânico, o sujeito parece tentar levar a sua experiência do desamparo ao seu nível mais extremo, mais insuportável, como uma forma de obter um certo domínio sobre ela. Desse ponto de vista, um ataque de pânico não pode ser concebido como a manifestação directa de uma pura descarga “automática” da energia pulsional, mas, antes, como um forço extremo no sentido de capturar o inominável.

Ser tomado por um ataque de pânico atesta, pois, o reconhecimento inequívoco por parte do sujeito da dimensão de desamparo fundamental subjacente ao funcionamento psíquico.

Através do pânico busca-se um certo domínio sobre as realizações possíveis do perigo. Trata-se, em última instância, de uma estratégia bastante singular de eliminação do horizonte do possível, no qual tudo o que é da ordem do terrível pode, efectivamente, realizar-se. Tal estratégia consiste em tornar presente, imediato, aquilo que assusta apenas por ser possível. Ou, mais precisamente, é a própria dimensão – intransitiva – do possível que deve ser eliminada.

O pânico distingue-se do terror, estado afectivo caracterizado precisamente pela perda de referências a um lugar de desamparo no psíquico. No terror, o desamparo é sem limites, está em todo o lugar e todo o momento. O não-senso é a sua marca fundamental. Já o pânico refere-se aos momentos de vacilação em que os limites que o sujeito reconhece como separando-o de um abismo infinito parecem apagar-se. O terror implica paralisia, entrega de si mesmo ao mortífero. É do lado da vida que se tem pânico.



In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira




quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Notas sobre Os Ataques de Pânico # 2


No pânico é antes o morrer do que a morte o que se constitui em problema. O pânico constitui a marca e a prova de que o aparelho psíquico descobriu a sua precariedade fundamental enquanto tal. Através do ataque de pânico, o sujeito busca, de alguma forma tornar apreensível no plano psíquico a experiência inominável do desamparo. As experiências repetidas do “estar morrendo” que se instalam no pânico parecem constituir uma tentativa de obter um certo domínio sobre o que escapa às possibilidades de simbolização e que é vivenciado sob o nome geral de “morte”. Ter ataques repetidos de pânico constitui uma tentativa, por assim dizer, de esvaziar a morte do seu conteúdo incognoscível, por meio de uma actualização-antecipação do momento de entrada nesse estado de desvalia; trata-se de um esforço por “tocar” o impossível, aquilo que escapa sempre e necessariamente ao psíquico, isto é, um esforço de controlar o momento de abandono por parte do outro suposto protector e fiador do mundo.

A experiência de desintegração psíquica acompanha a ameaça do seu desaparecimento. O sujeito em pânico considera que a presença concreta do outro fiador da estabilidade do seu mundo é uma condição indispensável para a sua própria sobrevivência. Se há algo de mortal no pânico é essa sorte de ataque contra si mesmo como expressão de apelo – mas também de revolta e desespero – diante do outro protector que abandona.

Um ataque de pânico constitui, assim, um grito desesperado, um pedido de ajuda e uma expressão de revolta dirigidos a este fiador superpotente de quem o sujeito espera protecção e amor.

A crise de pânico dirige-se, portanto, ao Outro (“pré-histórico e inesquecível”) ainda que este não possa ser objectivado em alguém delimitável: a crise constitui um pedido de amor, um reconhecimento, um apelo ao sujeito para não ser abandonado, sem ajuda, ao seu próprio desamparo. As vertigens e as sensações de estar em queda livre (de estar caindo sem parar), tão frequentes nos ataques de pânico, parecem manifestar corporalmente a vivência de abandono pelo objecto protector, fiador da estabilidade do mundo.

Realmente não há garantia para nada, ninguém me pode proteger contra o possível.

Até ao início das crises, a questão do desamparo não se colocara de facto. Quando, subitamente, o individuo se vê confrontado com ela, a ilusão desaba mas nada consegue ser colocado no seu lugar. Não há nenhuma possibilidade de subjectivação da falta de garantias pois essa “descoberta” terrível é feita toda de uma vez. Restam apenas o desespero e o esforço desatinado para “fazer alguma coisa”: a confluência dessas duas tendências materializa-se no pânico.

O abandono tão temido pelo indivíduo acometido por ataques de pânico tem contornos bastante específicos. Primeiro, apresenta-se como algo concreto: a ameaça de separação de uma pessoa em particular, da perda de uma situação estável, o medo de que mudanças venham a interferir de modo catastrófico na sua vida habitual ou na sua saúde.

Eles [ataques de pânico], começam frequentemente (…) após um evento que confirma ao sujeito o carácter incerto, imprevisível e potencialmente ameaçador do mundo. Assim, a morte de um ente próximo, uma doença grave na família, a separação de um ser amado são situações relatadas de modo quase rotineiro aos que cuidam de pessoas sofrendo de ataques de pânico como tendo desencadeado os ataques. A perda real de um próximo constitui para esses sujeitos a mais abominável concretização dos seus fantasmas de abandono e de impotência ante um mundo excessivamente perigoso. Eles constatam: “Então a situação de desamparo é mesmo possível!” e ficam desesperados.


In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Notas sobre Os Ataques de Pânico # 1


Os ataques de pânico – brutais, incompreensíveis, repetitivos – não parecem remeter a nada senão a eles mesmos, constituindo-se aparentemente uma experiência de pura perda. Aos olhos de quem os experimenta, tais ataques podem parecer absurdos e sem qualquer relação com o resto da sua vida psíquica. Eles apresentam-se como “espontâneos” e “incompreensíveis”.

O pânico apresenta-se antes de mais nada como esmagamento da linguagem, mutismo e paralisia, colocando o sujeito necessariamente na situação de só poder falar da sua aterradora vivência psíquica a posteriori [nachtraglich], num tempo em que não se está mais em pânico.

(…) o pânico é o estado afectivo que se instaura quando o aparelho psíquico, vendo-se radicalmente confrontado com a Hilflosigkeit – sua dimensão de desamparo fundamental – descobre, com terror, que o lugar onde esperava encontrar a presença concreta de um fiador da estabilidade do seu mundo está fundamentalmente vazio.

Tal confrontação, para resultar em pânico, implica (…) que até ao momento das crises, a dimensão de desamparo da linguagem havia sido “tamponada” naquele sujeito pela presença concreta de “objectos-fiadores” que permitiam a manutenção inalterada de uma ilusão de se estar totalmente protegido por um ser omnipotente, imortal e benfazejo.


Por vezes, a própria questão de falta de garantias sequer chega a ser colocada. O pânico instaura-se num momento de derrocada desse sistema de ilusões. (…) Instala-se, portanto, em momentos em que o aparelho psíquico se vê obrigado a reconhecer os limites enquanto tais, de suas possibilidades de simbolização, mas não suporta nem o peso nem as consequências desse reconhecimento, dado que a existência de tais limites passa a ser vivenciada como uma ameaça iminente de desabamento do mundo simbolicamente organizado.



In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira




quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sigmund Freud

Angústia


A angústia é um sinal do Eu visando impedir que o desenrolar dos processos psíquicos leve a uma situação em que a angústia ficaria totalmente incontrolável e invasiva. Freud afirmou por várias vezes que “o homem defende-se contra o terror [Schreck] através da angústia [Angst].

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os textos que eu não escrevi # 5

Antiautoajuda para 2015

Quando as pessoas dizem que se sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo, sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”. É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse mundo que ajudamos a criar e que nos violenta. Não acho que os felizes e saltitantes sejam mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.

Olho ao redor e não todos, mas quase, usam algum tipo de medicamento psíquico. Para dormir, para acordar, para ficar menos ansioso, para chorar menos, para conseguir trabalhar, para ser “produtivo”. “Para dar conta”, é uma expressão usual. Mas será que temos de dar conta do que não é possível dar conta? Será que somos obrigados a nos submeter a uma vida que vaza e a uma lógica que nos coisifica porque nos deixamos coisificar? Será que não dar conta é justamente o que precisa ser escutado, é nossa porção ainda viva gritando que algo está muito errado no nosso cotidiano de zumbi? E que é preciso romper e não se adequar a um tempo cada vez mais acelerado e a uma vida não humana, pela qual nos arrastamos com nossos olhos mortos, consumindo pílulas de regulação do humor e engolindo diagnósticos de patologias cada vez mais mirabolantes? E consumindo e engolindo produtos e imagens, produtos e imagens, produtos e imagens?


A resposta não está dada. Se estivesse, não seria uma resposta, mas um dogma. Mas, se a resposta é uma construção de cada um, talvez nesse momento seja também uma construção coletiva, na medida em que parece ser um fenômeno de massa. Ou, para os que medem tudo pela inscrição na saúde, uma das marcas da nossa época, estaríamos diante de uma pandemia de mal-estar. Quero aqui defender o mal-estar. Não como se ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deveria estar ali, e portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo. Defendo o mal-estar – o seu, o meu, o nosso – como aquilo que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que destrutiva e, nos últimos séculos, também autodestrutiva. É o mal-estar que nos diz que algo está errado e é preciso se mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda, mas como uma troca de posição, o que custa, demora e exige os nossos melhores esforços. Exige que, pela manhã, a gente não apenas acorde, mas desperte.

Eliane Brum

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