segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A descoberta do vazio e a criação do sentido


Há um momento mais importante do que a primeira palavra ou o primeiro passo de uma criança: a descoberta do vazio. O que fazemos diante dele é também o que nos torna pais e mães.

" - Os filhos dão muita alegria e tudo o mais que se costuma dizer, mas também, e isso não se costuma dizer, dão muita pena, permanentemente, o que não creio que mude nem quando forem maiores. Você vê a perplexidade deles diante das coisas, e isso dá pena. Vê a boa vontade deles, quando estão a fim de ajudar e acrescentar algo próprio mas não podem, e isso também dá pena. Dá pena a seriedade deles e dão pena suas brincadeiras elementares e suas mentiras transparentes, dão pena suas desilusões e também suas ilusões, suas expectativas e suas pequenas decepções, sua ingenuidade, sua incompreensão, suas perguntas tão lógicas e até a ocasional má intenção que possam ter. Dá pena pensar quanto lhes falta aprender e no longuíssimo percurso que têm pela frente e que ninguém pode fazer por eles, apesar de estarmos há séculos fazendo e não vejamos a necessidade de que todos os que nascem devam começar outra vez desde o início. Que sentido tem cada um passar pelos mesmos desgostos e descobertas, mais ou menos eternamente?" ( “Os Enamoramentos”,  Javier Marías)

Lembro-me do momento exato em que olhei para a minha filha e senti essa dor, que era a dor que eu achava que pudesse ser a dela ou que tinha a certeza de que um dia seria a dela.

Minha filha tinha uns três ou quatro anos e estava sentada no chão tentando brincar. Eu via o seu esforço e via o seu fracasso. Ou talvez apenas estivesse projetando nela o que sabia que seria seu embate mais ou menos eterno. Mas creio que não, acredito que já era angústia o que havia no seu rostinho redondo, já era perplexidade diante da aridez de alguns dias. Lembro-me de que, naquele momento, as lágrimas pingaram dos meus olhos, como de uma torneira mal fechada. Eu soube ali que jamais poderia tapar aquele buraco, que teria de testemunhar para sempre aquela luta íntima na qual cada um de nós está só. Sempre só. Eu assistia a ela desde já, tão pequena, tão frágil, tão confiante no meu poder ilusório, debatendo-se com a vida. E para sempre diante dela eu pingaria como uma torneira mal fechada. Era um momento silencioso entre nós – e as cartas já estavam dadas muito antes de nós.

É pelo consumo – e aí possivelmente nunca antes como agora – que se tenta tapar esse buraco aberto no peito dos nossos filhos. Um objeto seguido de outro objeto, a ilusão de que algo foi preenchido com duração cada vez mais curta, o desejo pelo produto seguinte cada vez mais imperativo, a frustração sempre abissal entre um e outro. Com alguma imaginação, é possível enxergar um filme de zumbis nas cenas de shopping, pequenos arrastando grandes por corredores iluminados, em busca não de cabeças humanas, mas de mercadorias para triturar com dentes que não estão na boca.
   
Mas não protegemos nossos filhos deste vazio, não há como protegê-los daquilo que é uma ausência que nos completa. Penso que este é o momento crucial da maternidade e da paternidade. Cada um de nós, que se sabe faltante, diante da falta que grita no filho. Quando me vi diante desse abismo, como a personagem de “Enamoramentos”, ela num momento muito diverso e muito mais limite do que o meu, lembro-me de me sentir envolta em melancolia. Eu soube ali, naquele instante prosaico em que minha pequena filha procurava por algo que talvez não pudesse ser encontrado em nenhum lugar além dela mesma, que eu haveria de conviver com uma falência dali em diante. Minha melancolia não se devia às dificuldades de uma maternidade precoce – mas à certeza de que proteger minha filha era uma missão desde sempre fracassada.

Ao olhar para minha própria filha naquele momento em que eu sabia que a máquina do mundo se abria diante dela para mostrar seu enorme estômago vazio, lembro-me de que, por um momento, pensei em alcançar talvez um outro brinquedo ou lhe oferecer um chocolate (…) Mas meu pensamento não virou gesto. Eu sabia que tudo o que eu podia fazer era me manter em silêncio. Que ser mãe, naquele momento, era ser capaz de vê-la debater-se com o vazio, testemunhar o início de seu longo embate vida adentro. E acho que ali, como deve acontecer com os pais e mães que percebem esse momento exato, uma fissura nova se abriu em mim. Esta que para sempre me faria pingar como uma torneira mal fechada.

“Que sentido tem cada um passar pelos mesmos desgostos e descobertas, mais ou menos eternamente?” (…) a resposta talvez seja a de que não exista sentido. E exatamente por não existir, só podemos mostrar aos nossos filhos, porque isso é algo que se mostra, não que se diz, que a tarefa de uma vida humana, desde sempre e para sempre, é criar sentido onde não há nenhum. Inventar uma vida é a tarefa que faz de todos nós ficcionistas. E, em geral, uma vida que faz sentido é aquela em que os sentidos são construídos para serem perdidos mais adiante e recriados mais uma vez e sempre outra vez. É o vazio, afinal, que nos faz inventar uma vida humana – e não morrer antes da morte.

É o que fazemos como pais neste momento em que um filho descobre o vazio, um momento mais importante do que a primeira palavra ou o primeiro passo ou o primeiro dente, que também nos torna pais. É preciso aguentar. Saber aguentar e escutar a dor de um filho, sem tentar calar com coisas o que não pode ser calado com coisa alguma, é um ato profundo de amor. Um momento sem palavras em que nosso silêncio diz apenas que a tarefa de criar uma vida que faça sentido é dele, pessoal e intransferível. E tudo o que poderemos fazer é estar mais ou menos por perto, ainda que nada possamos fazer.


Excertos de: "A dor dos filhos", Eliane Brum
Revista Época 5.11.2012

psicologia clínica

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Não, duas vezes não

As ondas provocadas pelo artigo publicado no New York Times -  What brand is your therapist?, onde Lori Gottlieb  dá conta das dificuldades no exercício da sua profissão de terapeuta, têm-se feito sentir na comunicação social e noutros espaços ligados aos “psis”.

Após a sua formação, Lori tinha a expectativa de poder estabelecer-se, iniciar a sua prática clínica e colher os frutos do investimento pessoal e financeiro: satisfação no trabalho e remuneração justa. Não foi preciso muito tempo para que as suas expectativas fossem goradas pela falta de pacientes que, concluiu, se alargava até aos mais antigos e experientes. Isso, devia-se em parte, às seguradoras que tinham deixado de reembolsar os gastos com as terapias.

Uma nova realidade esperava por Lori; Branding consultants for therapists. Vários colegas seus tinham recorrido ao auxílio de branding consultants para através de estratégias de marketing conseguirem distinguir-se dos concorrentes, tornando-se visíveis ao grande público.

No meio de um conflito entre questões técnicas e éticas acabou por procurar um destes profissionais. Segundo ele, as pessoas já não estavam interessadas nas terapias convencionais, desejavam soluções rápidas e fáceis para os seus problemas e, estavam susceptíveis a propostas mais atraentes. Os terapeutas generalistas - old-school – estavam ultrapassados e o que atraía as pessoas eram especialistas, por exemplo, em cyberbullying e sexting.

Para além disso, para evitar ser considerado frio e distante, era sugerido que o terapeuta, juntamente com o anúncio da actividade profissional, expusesse a sua vida pessoal na redes sociais, principalmente os seus problemas, para que os pacientes se identificassem com eles e assim criassem uma proximidade.

O artigo de Lori é extenso e merece uma leitura atenta porque foca aspectos até aqui pouco abordados e com enormes implicações. Acredito que a escolha de um terapeuta no Google passe pela capacidade de sedução da mensagem, seja através da falsa intimidade ou pelo milagre prometido, e, quiçá, uma atraente foto da terapeuta numa praia das caraíbas, mas temo que o processo nasça inquinado.

Se o terapeuta estiver mais interessado nos seus proveitos financeiros do que no paciente, então, aconselho uma profissão mais leve e rentável. Isto, não implica que se ignore o drama que se está a colocar aos terapeutas, que tanto investiram na sua formação para estarem aptos ajudar e se vêm numa situação desesperante. No entanto, há limites, não vale tudo.

Os terapeutas, para além de serem pessoas como as outras e terem que pagar as suas contas, têm também a responsabilidade de impedir, no mínimo, não contribuir, para que as psicoterapias passem a ser vistas como fórmulas/produtos de consumo, propiciadores de bem-estar imediato e constante, negando a realidade numa atitude delirante. Não é fácil, mas é essencial.

Desde os tempos idos do início das psicoterapias, mérito seja dado a Freud, até hoje, várias mudanças se verificaram. Actualmente, sabe-se que o poder “curativo” está na relação - autêntica - com o outro. Os estudos com bebés mostram que desde o nascimento, aquele pequeno "Ser" procura o outro – a relação –. É a partir do outro que verdadeiramente se nasce e se faz o homem.

Mascarada de múltiplas formas, lá está, a patologia dos nosso dias – o vazio -. A ilusão do preenchimento para esconder a incompletude fornecida por qualquer gadget é efémera, dura até sair o modelo seguinte. As responsabilidades não devem ser atribuídas exclusivamente à publicidade que vende prazer imediato e a fantasia de que tudo é possível com um cartão visa; elas são também de todos nós que fomos sendo alegremente corrompidos pelo desenfreado consumismo como forma de alienação do que nos rodeia.

Se tiver que ficar para trás por não acompanhar os novos tempos, ficarei. Ficarei com as minhas convicções, com aquilo que acredito e tenho a certeza que não ficarei sozinho.


Psicoterapia

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Diz-me quantas vezes fazes, dir-te-ei…

Diante a liberdade sexual crescente, os Senhores do costume, acharam que tinham que dizer qualquer coisa, pegaram na bíblia das patologias, o DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria) e fizeram de sua justiça. Em 1980, na 3ª edição do DSM-III, lá estava a "sexual addiction". Entretanto, na 4ª edição e na 5ª, que será publicada em 2013 a "sexual addiction" desapareceu. Quer isto dizer que deixaram de entrar nas nossas cabecinhas perversas (vida sexual) e prescindiram de nos dizer o que é certo e errado, normal ou patológico? Com certeza que não! Imbuídos da sua autoridade moral juntaram-se para declarar que não passamos de uns tarados (espero eu).

A cada nova edição do DSM a linha que separa o normal e o patológico esbate-se, e comportamentos e afectos num instante se transformam em patologia a necessitar de tratamento.

Agora, segundo se prevê, a “sexual addiction” foi rebatizada, passando a chamar-se “transtorno hipersexual”. Dentro deste gravíssimo distúrbio psiquiátrico vamos encontrar o EXCESSO de fantasias, impulsos e comportamentos sexuais acima da frugalidade recomendada.

Quando entramos nos critérios quantitativos somos levados a pensar que estes “experts” não são desprovidos de humor. Assim, se você passar entre 30 minutos a 2 horas por dia absorvido por fantasias ou desejos e quiçá os realiza, ora masturbando-se, ora com um parceiro (cuidado – masturbação entre parceiros não está incluída), entre duas a cinco vezes por semana, fique descansado, o seu caso é de severidade média!

Tudo isto não passaria de uma piada, se não fosse verdade.



Posts Relacionados: 365 razões para ficar apreensivo


psicologia clínica

Não é Loucura, Senhor; é Pobreza

"Le contaron al gobernante de un país que todas las mañanas un hombre, al parecer loco, llegaba arrastrando sus andrajos hasta el borde de un basural en las afueras de la ciudad, instalaba ahí un fogón de piedras y se ponía a preparar sus alimentos en una olla; que en realidad la olla siempre estaba vacía y que después el hombre fingía verter parte de los imaginarios alimentos en un plato y simulaba comer. El gobernante, transpirando de sospechas, decidió ver al hombre.

A la mañana siguiente, luego de observar oculto y a cierta distancia lo que hacía el hombre hasta el instante en que se llevaba la primera cucharada a la boca, el gobernante salió de su escondrijo y se acercó, seguido por el silencio de su numerosa comitiva.

-Soy el que gobierna este país- le dijo al hombre.

Sentado al pie del humilde fogón, el hombre levantó la mirada y observó al gobernante, pero no dijo nada. En seguida cogió la olla y otro plato, simuló verter en éste un poco del supuesto contenido de la olla y añadió una cuchara.

-Sírvase, señor- le ofreció el plato al gobernante.

Convencido de que el hombre estaba loco, el gobernante hizo una mueca de enojo y resueltamente comentó:

-Esto es una locura- y se alejó de prisa.

Y no pudo oír que el hombre decía, con voz fatigada y triste:

-No es locura, señor; es pobreza."


Antonio Gálvez Ronceros , "Mirage"
Histórias de trazer os homens, Extramuros Editorial, Lima, 1988.




Posts relacionados:  - Se eu quisesse, enlouquecia



psicologia clínica

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ver o mundo através dos olhos do outro


No editorial da British Journal of Psychiatry - The end of the psychopharmacological revolution, Peter Tyrer questiona papel da psiquiatria (psicofarmacologia) na actualidade como disciplina isolada no tratamento da doença mental. Ao “anunciar” o fim da revolução psicofarmacológica estará "anunciar, a queda do mito da cura, através das drogas? Falar em cura implica falar em doença e talvez Thomas Szasz  “Mito da doença Mental” nos ajudasse nesta altura. A cada “fim” nem sempre corresponde um “começo” diferente, e neste caso, mesmo contrariando as evidências, tudo aponta para que o doente e a doença continuem com entidades separadas. Partilho as palavras de Tyrer “Ver o mundo através dos olhos de um paciente nem sempre é fácil, especialmente se o que eles vêem não é o que você vê, mas ele retribui o esforço”, mas a esperança de que a doença mental possa ser vista pelos olhos do paciente, essa, é pequena.



Psicoterapia

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Pensar é o melhor remédio

"O estado de reflexão é contra a natureza. O homem que medita é um animal depravado." Tais afirmações de Rousseau parecem servir de guia involuntário para setores hegemônicos da clínica do sofrimento psíquico.

Há anos, a filósofa francesa Joëlle Proust foi capaz de afirmar que o sofrimento psíquico não teria relações com a forma com que o paciente reflete sobre seus sintomas a partir de suas próprias convicções e motivações.

Com isso, ela apenas dava forma a um princípio que parece guiar dimensões maiores da psiquiatria contemporânea. Ou seja, tudo se passa como se não houvesse relações entre a maneira com que sofremos e a maneira com que pensamos e procuramos justificar nossas vidas a partir de valores e normas.

Essa é uma boa maneira de evitar o trabalho mais doloroso exigido pelo tratamento de modalidades de sofrimento psíquico, a saber, a crítica dos valores, normas e formas de pensar que constituem, tacitamente, nosso horizonte de uma vida bem-sucedida.

A fim de evitar tal trabalho crítico, que certamente é o que há de mais difícil, parece que nos tranquilizamos com ideias como as da professora Proust. Elas acabam por servir para fortalecer a crença de que só haveria cura lá onde abandonássemos o esforço de pensar sobre nós mesmos. No fundo, talvez porque ainda estejamos presos a resquícios deste antigo paralelismo que associava, por exemplo, a melancolia ao ato de "pensar demais".

Décadas atrás, François Truffaut fez um belo filme sobre uma sociedade no futuro onde a polícia queimava livros porque eles trariam infelicidade. Melhor seria garantir a felicidade social por meio de uma política de uso exaustivo de medicamentos.

Tal filme foi a metáfora perfeita para um fenômeno que o sociólogo Alain Ehrenberg chamou, décadas depois, de "uso cosmético" de antidepressivos e afins.

Por "uso cosmético" entendamos o uso de larga continuidade que acaba por visar conservar performances sociais bem avaliadas, evitando ao máximo a experiência com transtornos de humor. Ele é o resultado inevitável do modelo de medicação que impera atualmente. Trata-se de uma distorção daquilo que deveria ser a regra, a saber, o uso focal ligado exclusivamente a situações e momentos de crise aguda.

Tal uso focal procura apenas garantir as condições de possibilidade para que o verdadeiro tratamento ocorra. Um tratamento que poderá mostrar como, se é a reflexão que nos adoece, é ela também que nos cura.



O pensar como doença
Vladimir Safatle
Folha de S. Paulo, 27/11/2012




psicologia clínica

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O Sintoma

Em psicoterapia o sintoma tem um estatuto diferente daquele que a medicina vulgarmente atribui (psiquiatria). O que é um sintoma? Se um paciente se queixa de depressão, falta de desejo sexual ou de incapacidade de pôr termo a uma relação onde é vítima de um parceiro violento, qual é o sintoma? O sintoma não é necessariamente aquilo de que se tem consciência. Talvez seja mais apropriado chamar-lhe queixa, que não deve ser confundida com sintoma. Segundo Mezan, “a queixa” traduz uma percepção que o indivíduo tem sobre si mesmo, uma “teoria” a seu respeito que, como qualquer produção psíquica, deve ser tratada com respeito.” No entanto, nada indica que essa “teoria” esteja de acordo com os “reais” significados.

Por outro lado, o sintoma, por norma, apresenta-se como absurdo; o paciente não consegue perceber a sua razão de ser nem de onde ele provém. Se soubesse, provavelmente, não recorreria a um psicólogo. O sintoma é sentido como absurdo porque encontra-se desconectado da restante vida mental. Perante a impossibilidade de estabelecer essa conexão o sujeito desenvolve uma teoria para dar sentido ao seu sintoma. Factos  improváveis, mas plausíveis, são usadas para explicar/justificar o sintoma.

Portanto, numa psicoterapia, perante o sintoma, não deve ter-se a mesma atitude que a medicina. O médico procura aliviar ou remover o sintoma que perturba a saúde do paciente. Neste caso o paciente não é "sujeito do seu mal", mas "vítima". Do psicólogo espera-se que estabeleça as condições para que o paciente, ao seu ritmo, possa criar novas conexões que lhe permitam uma compreensão mais profunda de si que, maioria das vezes, se traduz no desvanecer dos sintomas. O desaparecimento do sintoma não é um objectivo em si, mas o corolário de um processo extremamente complexo de subtis micro-transformações.




Psicoterapia

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Negação

A negação é um termo teórico, que passou a ser usado na vida cotidiana, na maioria das vezes, distorcendo o seu significado.

Segundo o Vocabulário da Psicanálise – Laplanche & Pontalis, a negação ou (de) negação é o “processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele negando que lhe pertença”; “recusa da percepção de um facto que se impõe no mundo exterior.”

A negação é um mecanismo de defesa inconsciente em que o conflito emocional e a ansiedade são evitados por recusa em reconhecer pensamentos, sentimentos, desejos, impulsos, ou factos que são conscientemente intoleráveis.

Em alguns casos, a negação por um certo período de tempo pode ser considerada um mecanismo saudável de mitigar o “intolerável”, dando à mente a oportunidade de elaborar e se adaptar.

Perante emoções demasiado intensas, a negação representa uma forma de preservar a coesão mental, ainda que a negação, em última análise, possa ser nociva. Uma vez que negação também requer um investimento substancial de energia, implica que outras defesas sejam também utilizadas para manter os sentimentos inaceitáveis ​​afastados da consciência.

A perpetuação do uso das defesas e a sua falência acaba por ser uma das circunstâncias que levam algumas pessoas a procurar ajuda. Gradualmente as “defesas” tornarem-se cada fez mais inadequadas e ineficazes, deixando a dor emocional oculta (no seu estado original), ascender à superfície.

Os mecanismos de defesa podem ser encontrados em indivíduos saudáveis, mas a sua presença excessiva é, via de regra, indicação de possíveis sintomas neuróticos.


posts relacionados: Repressão


Psicoterapia

Handle with care





"There is nothing which requires such gentle handling as an illusion."

Søren Kierkegaard















Psicoterapia

sábado, 3 de novembro de 2012

Por trás das máscaras


Quantas lágrimas existem por trás das máscaras! Quanto mais poderia o homem chegar ao encontro com o outro homem se nos aproximássemos uns dos outros como necessitados que somos, em fez de fazermos figura de fortes! Se deixássemos de nos mostrar auto-suficientes e nos atrevêssemos a reconhecer a grande necessidade que temos do outro para continuarmos a viver, como mortos de sede que na verdade estamos! Quanto mal poderia ser evitado!

Ernesto Sabato in Resistir 




Psicólogo Clínico

Fortalecer a auto-estima - nunca foi tão fácil

Nas redes sociais é comum encontrarmos imagens como esta, onde são dadas sugestões, como neste caso, para fortalecer a auto-estima. Ao lermos, ficamos com duas impressões: 1ª. – as sugestões são boas; 2ª. – é fácil. Sendo assim, poderíamos ser levados a concluir que as pessoas que tem baixa auto-estima ou não têm acesso a esta informação ou não fazem nada para mudar, e portanto, são responsáveis pelos seus sentimentos negativos.


A parte negativa deste tipo de auto-ajuda de pacotilha prende-se essencialmente como efeito que pode ter, ou seja, contribuir para que as pessoas não pensem/não possam pensar, as razões que as impedem de ser de outra forma.


Tomemos como exemplo a primeira sugestão: “aprender a dizer não”. Como todos sabemos, dizer “não” é algo que se aprende muito cedo, todas as crianças com dois anos de idade já aprenderam a dizer “não”, o seu significado e até as implicações. Será que desaprenderam? Não creio. Quais são, estão, as razões para tal impossibilidade? Não interessa, o importante é conseguir dizer não porque dizer não é bom e faz bem.


Penso que estas receitas, ainda que aplicadas com sucesso, não passam de um artefacto e não produzem uma verdadeira mudança. Mas são más, fazem mal? A questão não é essa; as pessoas farão aquilo que julgam ser melhor e na maioria das vezes, farão o que conseguirem, e devem ser respeitadas por isso. O pior, é a ilusão criada em torno de daquilo que é o ser humano, as suas idiossincrasias e a mudança. Esta superficialidade leva o homem a aceitar passivamente um tipo de servidão mental, versão, faça você mesmo, que anestesia a sensibilidade, estupidifica a mente e prejudica a alma.


psicologia clínica

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Baby Blues


Do ponto de vista fisiológico é uma reacção legítima, e acrescente-se, desejável. Segundo as estatísticas o baby blues é bastante frequente, oscilando entre os 70 a 90%. Não é, portanto, razão para alarme.

O baby blues correspondendo a um ciclo humano natural que aparece por volta do 3º ou 4º após o nascimento. Da parte do bebé inicia-se um tipo de comunicação diferente com a mãe, agora, ele dirige-se a ela esboçando um de diálogo (com o outro). A mãe, por sua vez, constata que o seu filho não é parte dela, estão separados, são dois e não um, como até então. Assim, esta realidade vivida no corpo, nas suas percepções e nos seus pensamentos, deprimi-a.

A depressão pós-parto, ao contrário do baby blues, que se esbate sozinho, é mais grave e habitualmente, surge mais tarde. Em alguns casos essa depressão corresponde a um baby blues que se perpétua.

Neste período (raramente) também pode surgir uma psicose puerperal, ou uma depressão melancólica. Nesta caso, estamos a falar de sujeitos com fragilidades conhecidas, que se agudizam com o nascimento de um filho. Portanto, pode dizer-se, que o nascimento faz despoletar um desequilíbrio latente.

Ao contrário do que habitualmente se refere, o baby blues não resulta exclusivamente de uma questão hormonal. Situações em que a criança foi afastada da mãe, por exemplo, para a neonatologia, as mães não fizeram o baby blues no período habitual (3º, 4º dia), mas mais tarde, quando reencontram o filho. Estas mulheres também estavam deprimidas mas não usavam as expressões das “mães baby blues”: “Não sei porque estou a chorar, tenho tudo o que preciso para estar feliz”.


Psicoterapia

Diálogos, monólogos e solilóquios

Saudades de ter saudades...

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Psicofármacos – É uma questão de custos e benefícios


Quando no âmbito do meu trabalho é solicitada a minha opinião sobre a medicação, a resposta que dou, e suponho, continue a dar, é a mesma: é tudo uma questão de custos/benefícios.
O ser contra ou a favor parece-me uma forma redutora de abordar a questão.
Pode, e deve-se discutir a representação que tem nos dias de hoje a medicação como forma de viver os problemas. Dado que o crescimento desenfreado do consumo não parece abrandar, é  urgente fazê-lo.
Isto vem a propósito de mais um estudo sobre psicofármacos – Benzodiazepinas: diazepam (Valium), alprazolam (Xanax) – publicado no British Medical Journal.
Na generalidade, os estudos que não são feitos pela indústria farmacêutica, apresentam resultados que devem deixar qualquer um apreensivo, não só quanto à sua eficácia, como, no que diz respeito aos efeitos secundários. Isto, por si só, já daria uma interessante discussão.
A outra questão é saber se há indicação para tratamento psicofarmacológico. Em grande parte dos casos sabemos que não. Como resultado, portugal apresenta taxas muito altas (e crescentes) deste tipo de fármacos. Uma vez que esta medicação tem muitos efeitos secundários, é necessário que seja prescrita com muito rigor.
Segundo o que me é dado a entender, aos pacientes não é colocada a questão do custo/benefício para poder escolher livremente. Nem tão pouco, se existem alternativas. Assim, sem o esclarecimento que lhe é devido, acaba por tacitamente aceitar o lhe é proposto.
As boas práticas sobre o consumo de Benzodiazepinas, como refere a agência europeia do medicamento, não deve ultrapassar algumas semanas, mas como é sabido elas ultrapassam muitas vezes um ano e em alguns casos há um consumo crónico.
É fundamental informar os pacientes do custo/benefício e das alternativas existentes.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

– Se eu quisesse, enlouquecia.


ESTILO

 – Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro… Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida… compreende?… a nossa vida, a vida inteira, está ali como… como um acontecimento excessivo… Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é o modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para um plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos? (...)


Herberto Helder, in Os Passos em Volta, 1963




Posts relacionados : Não é Loucura, Senhor; é Pobreza

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Masturbação?


Recentemente, em casa de uns amigos, passou-se o seguinte:
O filho deles andava aos saltos de um lado para o outro, mas a mão, raramente se desprendia dos calções.
Não estará com vontade de fazer chichi, alguém perguntou. Descontraidamente, o pai respondeu, “está entretido…”
A manipulação dos órgãos genitais está associada à masturbação, mas para ser considerada masturbação falta o essencial, a fantasia.
A masturbação com um verdadeiro significado sexual é praticada em segredo, às escondidas e não no meio da sala para todas as pessoas verem.
Os pais apercebem-se do que está acontecer e, felizmente, a maioria faz vista grossa à exploração que a criança faz do corpo. Naturalmente, descobre que há partes mais agradáveis que outras. Provavelmente, passa mais despercebido, mas é habitual encontrar-se crianças entretidas com o lóbulo da orelha ou a fazer caracóis com o cabelo.
Destituir de qualquer tipo de significado a manipulação dos genitais é cair no oposto. Esta exploração passageira do corpo liga-se com emoções e fantasias vagas que prepara a sexualidade adulta.
Nos adultos a vida sexual infantil está reprimida, esquecida, sendo que muitos ficam angustiados com esta fase dos seus filhos, e são excessivamente severos em relação a este comportamento.
É importante que os pais/educadores possam entender e aceitar esta fase como fazendo parte do desenvolvimento, e preparação para uma vida sexual adulta e satisfatória.



psicologia clínica

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Implodir ou explodir?


Implodir ou explodir? A resposta não é fácil e, normalmente, a decisão está dependente dos (supostos) efeitos colaterais da explosão, ou seja, como recuperar dos danos resultantes – reais ou imaginados.
Embora provoque grandes estragos, a implosão (explosão interna) tem a “vantagem” de ser controlada pelo próprio.
Já na explosão (externa), o maior receio é a imprevisibilidade quanto aos (supostos) estragos. Temem-se os efeitos no outro e o reflexo no próprio.
É complicado abordar esta questão sem sabermos o que está por trás, mas tomemos o exemplo:
Imaginemos que a Filipa diminui e amesquinha constantemente a Inês através de observações desagradáveis, comentários depreciativos e a responsabiliza por tudo o que corre mal. Um dos efeitos nefastos da Inês não reagir traduz-se no desenvolvimento de sentimentos de desvalorização e de inculpação – absorção da maldade do outro transformando-a sua-; algo que se pode enraizar profundamente no Eu a ponto de se constituir como parte integrante deste.
Neste caso seria de supor que a “explosão” seria a resposta adequada, mas há um senão. O que representa a Filipa para a Inês? Se pensarmos que se trata de uma figura afectivamente muito importante é natural que o vontade da Inês reagir possa ser bloqueada devido ao receio (normalmente fantasiado) de vir a perder a relação com a Filipa. Quando o receio é muito grande dá-se a implosão.
Uma das conclusões que se podem tirar é que certas dinâmicas relacionais implicam custos muito altos.
As coisas não são tão simples como tentei demonstrar, são, até, muito mais complexas. Cada caso é um caso, mas implodir não é a solução, mas antes, uma forma de perpetuar certos padrões relacionais.


Psicoterapia

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Complexo de Édipo - Uma introdução


 Tendo em conta que um dos posts mais visto no blog é o “Complexo de Édipo”, e para desalento de alguns, não encontram mais do que uma tira humorística, que ainda por cima, reforça a ideia prevalecente e pouco precisa em relação ao C.E.: matar o pai e ficar com a mãe; decidi voltar ao tema. Para clarificar um pouco o mito Edipiano temos que ir à origem: Rei Édipo de Sófocles.

Antes de mais, é preciso dizer que o “Complexo de Édipo” é uma metáfora criada para descrever uma quantidade de ideias, emoções e impulsos, em grande parte inconscientes, que gravitam em torno das relações que as crianças estabelecem com os seus pais. O Complexo de Édipo aponta para a angústia e culpa que a criança sente em relação aos seus desejos, assim como para as consequências de agir de acordo com eles.

É complicado compreender esta metáfora se não estivermos familiarizados com a tragédia de Sófocles, Rei Édipo. A história de Édipo começa com a traumatização psicológica e física de uma criança por aqueles que deveriam ser os seus protectores, os pais.

Laio e Jocasta, Reis de Tebas, foram advertidos pelo oráculo que o filho deles, o bebé Édipo, estava fadado a assassinar o próprio pai. Este, depois de lhe terem trespassado os pés com uma lança, é entregue a uma pastor por Jocasta, com instruções para ser abandonado no deserto para morrer.

Édipo acaba por escapar à sua morte prematura sendo cuidado pelos reis de Corinto, Polybus e Merope, e cresce acreditando que estes são os seus verdadeiros pais.

Quando certo dia é-lhe sugerido que os Reis de Corinto não eram os seus pais; Édipo fica tão consternado que vai consultar o oráculo de Delfos, e este diz-lhe, que ele matará o seu pai e casará com a sua própria mãe. Acometido com essa profecia e desejando ardentemente proteger aqueles que pensa serem os seus pais, sai de corinto decidido a não voltar.

Entretanto numa encruzilhada tem um desentendimento e mata um homem – Laio, o seu pai.

Por fim Édipo chega a Tebas que está nesse momento assolada pela Esfinge, que instalada num penhasco propõe enigmas a todos os que passam por perto, matando qualquer um que não desse a resposta correcta. Édipo, destroçado com tudo o que tem acontecido, e não tendo muito apreço pela vida, aceita o desafio da esfinge e consegue resolver o enigma que ela lhe apresentou. Como recompensa por ter libertado Tebas, Édipo é feito rei e casa com Jocasta.

Muitos anos depois, abate-se sobre Tebas a peste como punição do assassinato não vingado de Laio. Édipo, vai então procurar o assassino e a verdade é revelada. No fim da tragédia, Jocasta suicida-se e Édipo cega-se.

Aquilo que se entende por Complexo de Édipo tem um significado simbólico de grande riqueza referencial. Entender o Complexo de Édipo como: rapazinhos que querem matar o pai e casar com a mãe é de extrema simplificação, ou mesmo descabido. É preciso não esquecer que quando Édipo matou Laio e acabou casado com Jocasta, este não sabia que estes eram os seus verdadeiros pais. Na verdade Édipo saiu de Corinto para proteger aqueles que julgava serem os seus pais.


posts relacionados: Complexo de Édipo

psicologia clínica

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O meu segundo amor




psicologia clínica

Trauma - uma introdução


No Vocabulário de Psicanálise, Laplanche e Pontalis descrevem trauma ou traumatismo (psíquico) como:
“Acontecimento da vida do indivíduo que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se acha o indivíduo de lhe responder de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogénicos duradouros que provoca na organização psíquica.”
No entanto, nem toda a experiência de trauma é um acontecimento específico; ele pode ser cumulativo. Neste caso, uma vez que as causas são menos claras, torna-se mais difícil de lidar.
Conceito importante associado ao de trauma, é o de sinal de angústia.
Laplanche e Pontalis referem:” O sinal de angústia reproduz de forma atenuada a reacção de angústia vivida primitivamente numa situação traumática, o que permite desencadear operações de defesa.”
Segundo P. Casement, quando se considera a revivência do trauma é importante pensar em conjuntos inconscientes.
“Isso dá-nos uma lógica em termos da qual podemos entender como a mente regista inconscientemente elementos particulares como sendo da mesma natureza – porque foram anteriormente vivenciados juntos. Assim eles passam a ser estabelecidos como relacionados, de forma atemporal e sem excepção. Para o inconsciente a parte pode representar o todo, logo, qualquer coisa associada a uma situação traumática pode representar o trauma como um todo e pode deflagrar o sinal de ansiedade, alertando a mente inconsciente como se aquela situação traumática estivesse na eminência de se repetir.”
P. Casement dá-nos um exemplo através de uma vinheta clínica:
Uma menina de dois anos de idade foi levada pela mãe para ser vacinada antes de viajar para o estrangeiro. Para poder aplicar a vacina na coxa da criança, o médico pediu à mãe para levantar o vestido da filha. Até aí nada de anormal, à excepção, talvez, da presença desse relativamente estranho – o médico de família. Mas depois de ficar chocada com a súbita dor da injecção, foram necessários alguns meses para que a criança fosse capaz de recuperar da experiência que parecia estar sempre iminente. Mais especificamente, ela demonstrava um claro sinal de ansiedade sempre que a mãe tentava trocar-lhe as roupas.
Qualquer tentativa da mãe de levantar o vestido da criança era recebida com gritos. Uma reacção semelhante era evidente quando se tirava qualquer outra peça de roupa; quanto mais perto da parte inferior do corpo mais intensa era a reacção. Outras pessoas tinham mais sucesso do que a mãe nessa operação, mas ninguém podia levantar-lhe o vestido.
Podemos ver neste exemplo como várias associações relacionadas com a situação de perigo foram estabelecidas em torno do trauma original.
As mais específicas eram as seguintes: a mãe com a criança ao colo levantando o vestido.
Associações menores também podiam ser identificadas: roupas perto da coxa e pessoas como a mãe.
Era perceptível que a criança tinha mais confiança no pai do que na mãe quando estava no colo. Mas quando a criança estava no colo de outra pessoa, o pai tornava-se a fonte de ansiedade caso estendesse as mãos para ajudar a tirar a roupa.
Por isso, dava a sensação de existirem diferentes níveis de associação a funcionar: uma pessoa-colo do sexo feminino era mais temida do que uma pessoa-colo do sexo masculino, particularmente quando associada à tentativa de tirar a roupa. Também um homem de braços estendidos para ajudar, quando associado à tentativa de tirar roupas, era mais temido do que uma mulher na mesma posição.
Neste exemplo podemos ver que o trauma passou a ser associado a um conjunto de elementos principais: estar no colo de uma mulher; roupas removidas ou levantadas; um homem a estender as mãos para fazer algo.
Reconhecendo intuitivamente as associações às quais sua filha reagia, a mãe encontrou uma maneira de lidar com o problema.
Ao colocar a criança na banheira e molhando as roupas, ao invés de tentar despi-la ao colo distanciou-se da situação traumática. Conseguiu então tirar roupas que estavam molhadas em vez de secas. Roupas molhadas não tinham participado no trauma original, de modo que essa diferença permitiu à criança aceitar uma nova maneira de se despir, apesar de que remover roupas ainda era parte daquilo que a mãe fazia.
Ela não estava, portanto, evitando completamente a experiência, mas encontrando uma maneira de fazer face a ela – na medida em que a criança estava em condições de a tolerar.
Gradualmente os vínculos associativos tornaram-se mais fracos e as roupas secas também puderam ser removidas: primeiro, removidas quando ela estava sentada numa banheira vazia e, depois, sentada ao colo da mãe.


psicologia clínica

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quem não chora não mama


                                                             

 - Ninguém sabe como me sinto, ninguém se interessa…
 - Você já disse a alguém como se sente?

A expectativa de que os outros saibam como nos sentimos sem necessidade de o manifestar, na maioria das vezes, não se concretiza.

Naturalmente, o próprio, coloca a questão em relação ao outro: Ele não se interessa, não gosta de mim, é um ingrato…….

O ângulo que me parece mais importante observar é o do próprio. O desejo de ser entendido sem necessidade do expressar encontra paralelo na infância precoce onde a mãe consegue antecipar os desejos/necessidades da criança e os satisfaz. Mas excluindo este “fenómeno” que resulta de uma profunda ligação (fusão) mãe-bebé, e, que para o bem de todos se desfaz gradualmente, a criança vai desde o início manifestando as suas necessidades e procura pelos meios de dispõe que elas sejam satisfeitas. Com o crescimento a criança vai adquirindo capacidades e uma das mais importantes é a linguagem. A partir desse momento dispõe de um valioso e complexo meio de expressão.


“Quem não chora não mama”

Se não é fácil pedir ajuda, para algumas pessoas isso é quase impossível. Pedir representa uma falha, uma fragilidade que é necessário ocultar. Quando pedem ajuda fazem-no de uma forma atabalhoada e encoberta que mais parece que não precisam de nada. O receio de pedir e não receber não só expõe a falha como a amplia. Então, numa satisfação perversa, aguentam estoicamente em silêncio, alimentando sentimentos hostis em relação ao outro, que geram distância em vez de proximidade.


Está na altura de começar a falar                                                                                  


   psicologia clínica