quinta-feira, 24 de maio de 2012

Hiperactividade a quanto obrigas


Criança de seis anos impedida de entrar na escola por ser hiperactiva.

Alguém ficará admirado se esta criança voltar a entrar nesta escola ou noutra escola qualquer e começar a comportar-se pior que nunca? Eu não. Ela vai simplesmente responder com a moeda dela – agressividade –, à exclusão e humilhação a que tem sido sujeita. A escola não conseguiu acolher/compreender esta criança, que na sua história já sofreu outra grande exclusão – os pais –, que a deixaram, quando tinha um ano, a cargo dos avós. Se a escola só servir para ensinar a tabuada e o abecedário então é melhor que feche as portas. Esta criança, considerada doentinha da cabeça, conserva – ainda - alguma saúde mental. A sua capacidade de reagir, de mostrar pelos seus meios - que as crianças dispõem -, que não aceita ser mal tratada é prova disso. E o maluco sou eu!

 posts relacionados: Distúrbio da Hiperactividade com Défice de Atenção  ; “Crónico” quer dizer para a vida toda?

psicologia clínica

terça-feira, 22 de maio de 2012

Diálogos, monólogos e solilóquios


(Sem) um brilhozinho nos olhos

“A certa altura senti que o meu pai não esperava nada de mim. Não tinha valor para ele, não servia para nada. Desde esse momento cresceu em mim a fantasia de que me tornaria famoso mundialmente e todos invejariam a minha grandeza. Nunca fui famoso, nunca brilhei aos olhos de ninguém, mas pior que tudo isso é continuar acalentar a fantasia de que um dia serei grande. Quem me dera puder ser, simplesmente, alguém.”

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A clínica encenada # 2



"Os meus pais não percebem o sofrimento que me causaram. Estiveram sempre focados na vida deles, nas suas coisas e eu fiquei ali, esquecida. Eles nunca serão capazes de reconhecer isso.”

Mais importante do que o conteúdo (o ressentimento), é a capacidade de olhar para trás, para a sua infância, pelos seus olhos, ao invés de ver a partir do ponto de vista dos pais (centrífugo). Este tipo de separação mental é imprescindível para o desenvolvimento. Crescer implica alterar o ponto de referência (o foco, o ângulo), a partir do qual se olha para as coisas. Helena começa a olhar para sua história através do seu olho interno, ao invés de absorver e de se contentar com a história que lhe foi contada. Começa a perceber que a perspectiva do narrador condiciona a história e que os seus pais não têm que concordar e validar a sua narrativa.

À medida que constrói a sua narrativa vai elaborando as tensões, os sentimentos de raiva, de exclusão, de inveja e ciúme em relação aos pais. Este processo permite-lhe contactar com a menina que se sentiu tão sozinha durante períodos críticos da sua infância, ajudando-a a ver que não era uma "menina má", mas que os seus pais tiveram que se concentrar na sua própria sobrevivência e, assim, tornaram-se menos atentos às suas necessidades. Agora não se culpa pelos sentimentos negativos que tinha quando era criança.

O espaço para novos sentimentos gera-se ao ritmo das elaborações. A reparação inicia-se a partir do momento em que a obstrução gerada pela incapacidade de pensar (a culpa), dá lugar à criação – pensar e pensando-me. O que é crescer senão criar e recriar-se?

 

Psicoterapia

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Livros



“Acredito certamente que todos sofremos danos, de uma ou outra maneira. Como podíamos não sofrer, se não existe um mundo de pais, irmãos, vizinhos e companheiros perfeitos? E depois há a questão, de que tanta coisa depende, do modo como reagimos ao dano: quer o reconheçamos, quer o recalquemos, e como isso afecta as nossas relações com os outros. Alguns admitem o dano e tentam suavizá-lo; outros passam a vida a tentar ajudar outros que sofreram danos; e há depois aqueles cuja maior preocupação é evitar mais danos para si próprios, a qualquer preço. Esses são os implacáveis, aqueles com quem devemos ter cuidado.”

“Parece-me que pode ser esta um das diferenças entre a juventude e a idade: quando somos jovens, inventamos futuros diferentes para nós; quando somos velhos, inventamos passados diferentes para os outros.”


“Quantas vezes contamos a história da nossa vida? Quantas vezes adaptamos, embelezamos, fazemos cortes matreiros? E, quanto mais a vida avança, menos são os que à nossa volta desafiam o nosso relato, para nos lembrar que a nossa vida não é a nossa vida, é só a história de contámos sobre a nossa vida. Que contámos aos outros mas – principalmente – a nós próprios.”

domingo, 6 de maio de 2012

I feel like...

Psicoterapia

Psicologização. Psi quê? Importa-se de repetir?

Em virtude do aumento da presença da psicologia e dos psicólogos na vida quotidiana, começou a ouvir-se falar de psicologizar; psicologizante; psicologização. Em meu entender, esse termo, nos exemplos em que era usado, referia-se a uma atitude passiva e permissiva dos pais/educadores em relação ao comportamento das crianças e dos adolescentes. “Agora fazem tudo o que querem”; “psicologia para aqui, psicologia para ali, não sei onde isto vai parar”; “agora não se pode tocar nas criancinhas”; “no meu tempo levavam umas palmadas e acabava-se logo com as parvoíces”; “são uns delinquentes, deixam-nos fazer tudo”.
A propósito da psicologização, ocorreu-me uma “conversa” que o Dr. João dos Santos teve com João Sousa Monteiro:
«Uma mãe desejava falar-me e trazia o filho de 8 ou 9 anos. O miúdo queria assistir à conversa. Era uma família de elevado nível social e cultural, e tinham conversas muito intelectuais com os filhos. A mãe queria conversar comigo porque tinha um problema qualquer com o miúdo, e o miúdo dizia que também queria assistir à conversa, que não queria ficar de fora. Eu disse-lhe: “Não não, tu agora esperas aí porque eu preciso falar com a tua mãe, ela tem umas coisas para me dizer que não quer que tu oiças, portanto esperas aí fora”. E o miúdo disse-me assim: “mas eu posso ouvir tudo, porque eu até sei o que é o superego”. E eu disse-lhe: “tu não sabes nada o que é o superego, o superego não é nada disso que tu imaginas, é isto que eu te vou mostrar”. Agarrei-o por um braço e disse-lhe: “se tu não vais já lá para fora, levas dois estalos e então ficas logo a saber o que é o superego».
É inimaginável que um psicólogo exerça algum tipo de violência sobre um paciente/criança. Aqui não se trata de violência mas de relocalização no espaço – cada um deve ter o seu lugar. É bastante tranquilizador para a criança que já tem capacidade de distinguir os espaços, saber qual é o seu e qual é o do outro. Mas mais importante que isso, é a criança sentir que quando entra em espaços alheios (apesar de muito desejados), existe alguém que lhe põe um limite e a impede de pisar certos terrenos.
Actualmente, as crianças são vistas de forma muito diferente e a psicologia deu o seu contributo ao emprestar uma maior compreensão deste “ser complexo”. Daí resultaram, como resultam sempre, várias interpretações e respectivas aplicações. A psicologização parece ser uma delas.


psicologia clínica

terça-feira, 1 de maio de 2012

Terapia é


Psicoterapia

Saúde Mental

Um dia, a mãe do Miguel, preocupada porque o via muitas vezes triste, perguntou-lhe:
– O que é que tens, Miguel, o que se passa contigo?
– Não me apetece viver – respondeu o miúdo.
A mãe, surpreendida com aquela resposta assim tão inesperada, e ao mesmo tempo tão directa, tão verdadeira perguntou-lhe:
– Porque é que não te apetece viver?
– Porque não gosto de mim – respondeu o Miguel.
Contou-me a mãe mais tarde que às vezes, quando estava sozinha com ele e o via triste, perguntava-lhe porque ele estava triste, e o Miguel respondia-lhe, naquela sua maneira directa e verdadeira de sempre: – Já sabe o que é, é sempre pela mesma razão, não gosto de mim.
João dos Santos – O que é importante é que isso que o Miguel sente e diz, revela uma grande saúde mentalda parte dele. Para nós, psicanalistas, a saúde mental não consiste num indivíduo ser sólido assim como o granito, ou rígido como uma estátua. A saúde mental consiste na pessoa ser capaz de se movimentar livremente dentro de si, e os movimentos de tristeza são tão importantes como os movimentos de alegria.
In “João dos Santos – Se não sabe porque é que pergunta?
conversas com João Sousa Monteiro.”



psicologia clínica