quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Notas sobre Os Ataques de Pânico # 2


No pânico é antes o morrer do que a morte o que se constitui em problema. O pânico constitui a marca e a prova de que o aparelho psíquico descobriu a sua precariedade fundamental enquanto tal. Através do ataque de pânico, o sujeito busca, de alguma forma tornar apreensível no plano psíquico a experiência inominável do desamparo. As experiências repetidas do “estar morrendo” que se instalam no pânico parecem constituir uma tentativa de obter um certo domínio sobre o que escapa às possibilidades de simbolização e que é vivenciado sob o nome geral de “morte”. Ter ataques repetidos de pânico constitui uma tentativa, por assim dizer, de esvaziar a morte do seu conteúdo incognoscível, por meio de uma actualização-antecipação do momento de entrada nesse estado de desvalia; trata-se de um esforço por “tocar” o impossível, aquilo que escapa sempre e necessariamente ao psíquico, isto é, um esforço de controlar o momento de abandono por parte do outro suposto protector e fiador do mundo.

A experiência de desintegração psíquica acompanha a ameaça do seu desaparecimento. O sujeito em pânico considera que a presença concreta do outro fiador da estabilidade do seu mundo é uma condição indispensável para a sua própria sobrevivência. Se há algo de mortal no pânico é essa sorte de ataque contra si mesmo como expressão de apelo – mas também de revolta e desespero – diante do outro protector que abandona.

Um ataque de pânico constitui, assim, um grito desesperado, um pedido de ajuda e uma expressão de revolta dirigidos a este fiador superpotente de quem o sujeito espera protecção e amor.

A crise de pânico dirige-se, portanto, ao Outro (“pré-histórico e inesquecível”) ainda que este não possa ser objectivado em alguém delimitável: a crise constitui um pedido de amor, um reconhecimento, um apelo ao sujeito para não ser abandonado, sem ajuda, ao seu próprio desamparo. As vertigens e as sensações de estar em queda livre (de estar caindo sem parar), tão frequentes nos ataques de pânico, parecem manifestar corporalmente a vivência de abandono pelo objecto protector, fiador da estabilidade do mundo.

Realmente não há garantia para nada, ninguém me pode proteger contra o possível.

Até ao início das crises, a questão do desamparo não se colocara de facto. Quando, subitamente, o individuo se vê confrontado com ela, a ilusão desaba mas nada consegue ser colocado no seu lugar. Não há nenhuma possibilidade de subjectivação da falta de garantias pois essa “descoberta” terrível é feita toda de uma vez. Restam apenas o desespero e o esforço desatinado para “fazer alguma coisa”: a confluência dessas duas tendências materializa-se no pânico.

O abandono tão temido pelo indivíduo acometido por ataques de pânico tem contornos bastante específicos. Primeiro, apresenta-se como algo concreto: a ameaça de separação de uma pessoa em particular, da perda de uma situação estável, o medo de que mudanças venham a interferir de modo catastrófico na sua vida habitual ou na sua saúde.

Eles [ataques de pânico], começam frequentemente (…) após um evento que confirma ao sujeito o carácter incerto, imprevisível e potencialmente ameaçador do mundo. Assim, a morte de um ente próximo, uma doença grave na família, a separação de um ser amado são situações relatadas de modo quase rotineiro aos que cuidam de pessoas sofrendo de ataques de pânico como tendo desencadeado os ataques. A perda real de um próximo constitui para esses sujeitos a mais abominável concretização dos seus fantasmas de abandono e de impotência ante um mundo excessivamente perigoso. Eles constatam: “Então a situação de desamparo é mesmo possível!” e ficam desesperados.


In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira



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