quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ó tempo volta pra trás. Já!




“Foi-se o tempo em que … bastava “apenas um olhar do pai” para que as crianças se reposicionassem no seu lugar de filho.“Nesse outro tempo” tínhamos a impressão que tudo tinha o seu “lugar”.

Nessa época não se ouvia falar em hieractividade. As crianças eram definidas como seres mal-educados que precisavam de uma educação rígida e rigorosa para se tronarem adultos civilizados.

…a religião e a tradição asseguravam o lugar do pai na família. … a autoridade do pai era sustentada não apenas pela mãe dentro de casa, mas, na esfera pública e politica, através da religião e dos costumes. Nesse mesmo lastro residia a autoridade do professor e dos adultos em geral.

Esse cenário começou a mudar a partir de um longo processo de transformações históricas e sociais que solapou a tradição e a religião enquanto organizadores da família e da sociedade.

A valorização da criança produzida pelo capitalismo, em que a mesma passou a sustentar a promessa de fabricação do adulto de futuro, produziu não apenas a valorização da mulher como mãe, mas, instituiu uma preocupação do estado em limitar e regular cada vez mais os poderes do pai, visando proteger a mulher e os filhos da sua arbitrariedade.

O filho tornou-se propriedade privada da mulher-mãe. Ao pai, restou um colchão ao lado da cama do casal, agora ocupado pela mãe e pelo filho. Quando ele intervém, é logo interpelado pela sua mulher com um “cala a boca, você não sabe nada”. O homem-pai viu-se reduzido a uma criança que não sabe nada, nem sobre a vida doméstica nem sobre os filhos. Ela briga com ele como briga com uma criança: “não faça isso! Faça aquilo. Você não sabe de nada!” Diante dessa mãe omnipotente, o homem viu-se reduzido a uma criança impotente.

Pois bem, se na família patriarcal a autoridade era atribuída ao pai, na família moderna a mãe passou a ocupar esse lugar.

 Diante da crise de referências instituída a partir da queda da tradição, o pai, não sabendo qual seu lugar, viu-se reduzido a uma condição infantil, ora toma a mãe como modelo de relação com os filhos, funcionando como uma “segunda mãe”, ora se identifica com a criança, demandando à mãe mais cuidados do que deveria.

Como consequência dessa crise de referências, temos encontrado um cenário muito assustador: crianças que dormem com os pais, ainda usam fraldas apesar da idade, têm dentes mas ainda tomam mamadeira. São grandes em peso e altura, mas vivem no colo dos pais.

As crianças não conhecem a frustração. Privadas da intervenção educativa, pouco a pouco vão-se tornando pequenos monstros assustadores e demandantes: querem “tudo” e ao mesmo tempo “nada”. As crianças tornaram-se pequenos tiranos e os pais escravos da tirania dos filhos.

Quando essas crianças chegam à escola … não conseguem concentrar-se e não aprendem.

Ao não reconhecer a desorganização da criança como proveniente da sua própria renúncia, os pais recorrem a um “outro-especialista” buscando uma resposta sobre o que se passa com o seu filho. Este por sua vez, capturado numa formação organicista pautada no modelo biomédico – modelo que reduz todo e qualquer problemática humana a um defeito no funcionamento biológico – vê-se obrigado a diagnosticar a má educação da criança como hiperactividade.

Impotentes face à demanda dos pais e das escolas, os médicos medicam. Aliás, o que poderiam fazer além de medicar? … Talvez os médicos pudessem dizer: ”Seu filho precisa limites!!!”. Mas certamente seriam considerados maus médicos. Pois, ao denunciar a necessidade de limites, denunciariam as renúncias educativas dos pais!

Não sabendo o que fazer com os pequenos tiranos, solicitam à ciência e à medicina algum limite, mesmo que seja químico!

Como sabemos, um adulto precisa aprender a viver e a ter horários para dormir, assim como o adolescente precisa aprender modos de relacionamento com o outro para transar. Por isso fica a pergunta: Será que uma criança poderia prescindir dos adultos para se tornar civilizada? Ou de facto acreditam que uma dose diária da “droga” seria suficiente para educá-la? Depois não me venham com campanhas “Crack nem pensar!!!”


Transcrição parcial (adaptada) do artigo: A fabricação da loucura na infância, Michele Kamers




psicologia clínica

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