terça-feira, 16 de julho de 2013

A cura da homossexualidade ou homofobia?


Embora o “mundo natural” seja o mesmo para qualquer sociedade, cada uma vai percebê-lo e decompô-lo para em seguida dar-lhe sentido, dentro das associações sintagmáticas que aquela sociedade criou para “ler o mundo”. O discurso interpretativo que surge daí é tributário do sistema simbólico da sociedade em questão, que está sujeito ao universo imaginário e fantasmático desta mesma sociedade: não existe um paradigma único, universal.

Vivemos nossa sexualidade dentro do imaginário da sociedade onde estamos inseridos. Desconhecemos que somos guiados por convenções culturais, e acreditamos na existência “natural” de sujeitos heterossexuais, bissexuais e homossexuais. Esta crença, evidentemente ideológica, é vivida como algo intuitivo, universalmente válido, desde sempre, para todos os sujeitos. É por isto que uma das coisas mais difíceis a suportar é a diferença, sem que ela seja vivida como uma ameaça. Aceitar que o outro possa ser diferente abala nossa verdade, e mostra que a verdade é sempre a verdade de cada um, o que desvela a ilusão da existência de uma identidade última e absoluta, e revela que nossos referenciais são construções com tempo de vida limitado.

O discurso social, que constrói as referências simbólicas do masculino e do feminino e dita os parâmetros que definem a “sexualidade de normal”, contribui não só para a invenção da homossexualidade como também para que o sujeito homossexual, marcado pelos ideais da sociedade, se sinta “desviante”, posto que excluído do discurso dominante. Os homossexuais nascem em uma sociedade cuja organização simbólica cedo lhes ensina que sua forma de viver a sexualidade é errada. Uma pessoa durante um processo analítico disse: “primeiro aprendi que ser homossexual era anormal. Depois, descobri que era homossexual. Ou seja, que era anormal. O que fazer?”.

Visto que os padrões da sexualidade humana são criados e não inatos, há de se considerar a importância da história libidinal de cada um na origem de sua solução sexual. Esta história, por sua vez, é construída por marcas identificatórias sucessivas, resultado de investimentos libidinais em diferentes registros (simbólico, imaginário e fantasmático), originados nos encontros desse sujeito com outros sujeitos. Dito de outra forma: o ser humano possui uma sexualidade. E esta sexualidade, devido à singularidade da história de cada um terá um destino particular: não há uma única maneira que se proponha certa, única e universal para as manifestações da sexualidade.

Se a relação sexual não existe, é porque no inconsciente não existe a inscrição psíquica da diferença sexual: “a função fálica não impede os homens de serem homossexuais” (Lacan, 1972-73, p. 97). O homossexual, como o heterossexual, tem acesso a uma forma de gozo fálico.
Não existe um sujeito homossexual, assim como não existe um heterossexual ou bissexual. Existem moções pulsionais e movimentos identificatórios que se deslocam, mais ou menos livremente, e que se manifestam nas escolhas objetais que sustentam as diversas expressões da sexualidade. Contudo, estas últimas não definem o sujeito.

Os ideais sociais direcionam os investimentos libidinais, criando assim uma sexualidade “normal”, o que não deixa de ser, como demonstra Foucault (1976), uma forma de controle. Para a psicanálise – que vem mostrar o quão ilusório é falar de “normal” em se tratando de pulsão –, o relevante é tentar compreender a dinâmica que subjaz as diferentes orientações sexuais. Nesta perspectiva, tanto a hetero quanto a homossexualidade são posições libidinais e identificatórias alcançadas pelo sujeito ao longo de seu trajeto pulsional.

Excerto de “A invenção da homossexualidade”
 Paulo R. Ceccarelli


Psicoterapia

Sem comentários:

Enviar um comentário