terça-feira, 19 de março de 2013

“Crónico” quer dizer para a vida toda?


O artigo Why ADHD is Not Just a Problem for Kids, publicado na revista Time começa com uma frase bastante enigmática, que ainda não consegui descodificar “The effects of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) can extend well beyond childhood, according to the latest research”.

 Os efeitos? Poderia ficar aqui às voltas com os “efeitos” o resto do dia, mas provavelmente a jornalista não estava muito ciente do que estava a escrever, na verdade, até é desculpável, uma vez que as citações de um dos autores do estudo são bastante ambíguas para não dizer, tendencialmente erróneas.

Num estudo realizado por pesquisadores do Hospital infantil de Boston e da Mayo Clinic, concluiu-se que 29,3% das crianças às quais foi diagnosticado distúrbio da hiperactividade com défice de atenção (TDAH), ainda o apresenta em adulto, juntamente com o aumento da taxa de outros problemas psiquiátricos.

Só 29,3%? Tendo em conta que o intervalo considerado anteriormente ia dos 6% aos 66%, o valor até não é muito mau.

W. Barbaresi, um dos autores do estudo, refere com aparente pesar que se banalizou a questão e que temos que reconhecer que a TDAH é uma doença crónica. E assim, num abrir e fechar de olhos, condenou milhares de crianças para o resto da vida ao simpático rótulo de “doentes mentais”.

Barbaresi, com a sua autoridade científica refere: “temos que parar de banalizar a TDAH como sendo apenas um problema de comportamento na infância”. Mas então, é um problema de comportamento ou uma doença? Se é apenas um problema de comportamento porque se estão a drogar crianças como se fosse uma punição? - Se não te portas bem ponho-te a tomar Ritalina!

O Sr. Barbaresi sabe muito bem que não há qualquer tipo de banalização, muito pelo contrário, a cada esquina está uma criança com TDAH. Milhões no mundo inteiro. A banalização está exactamente na forma como se atribui um diagnóstico que condena uma criança para a vida toda.

O que realmente preocupa muito o Sr. Barbaresi - a tal banalização - é o receio que os pais, quando os filhos crescerem, decidam deixar de os medicar, ou eles, por iniciativa própria, deixem a medicação. Mas pode dormir descansado, a malha é tão apertada que só alguns conseguiram escapar.

Como provam os dados, dos adultos que tinham TDAH 81% apresentava pelo menos mais um transtorno psiquiátrico adicional. Dos que não apresentavam sinais da doença, 47% tinha pelo menos mais um diagnóstico psiquiátrico.

Para terminar o Sr. Barbaresi escancara as portas do inferno: “Temos que parar de banalizar o TDAH como sendo apenas um problema comportamento da infância. A natureza e duração deste estudo mostram que temos de reconhecê-lo como um problema de saúde crónico grave que merece muito mais atenção do que tem recebido (…) o legado e as implicações a longo prazo de um diagnóstico de TDAH não foram realmente consideradas e estudadas de forma adequada, uma vez que a maioria dos médicos tendem a pensar a condição como afectando principalmente crianças, que tendem a superar uma vez que atingem a idade adulta.”

O que nos deve preocupar muito são os Srs. Barbaresis, que de ânimo leve e com uma preocupação perversa, distorcem a ordem das coisas. O que o Sr. Barbaresi não conclui, nem nunca irá concluir, mas que os resultados comprovam é que quando a criança cai nas malhas da TDAH arrisca-se com alta probabilidade a ser um doente mental crónico.

Desculpem o sublinhado: “crónicos” quer dizer, para a vida toda. TODA.


psicologia clínica

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