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Se não sabe porque é que pergunta?
Psicologia clínica e Psicoterapia
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
Notas sobre Os Ataques de Pânico # 3
O pânico constitui uma
tentativa extrema de tornar o desamparo apreensível para o psíquico. A especificidade metapsicológica do pânico situa-o dentro do campo dos estados em que a angústia é extrema e transbordante.
Paradoxalmente, o sujeito em
pânico não busca escapar do incognoscível, nem dos restos irredutíveis à
simbolização. Esses constituem a fonte de onde podem jorrar e realizar-se todos
os possíveis, isto é, eles são a fonte potencial do traumático. No pânico, o
sujeito parece tentar levar a sua experiência do desamparo ao seu nível mais
extremo, mais insuportável, como uma forma de obter um certo domínio sobre ela.
Desse ponto de vista, um ataque de pânico não pode ser concebido como a
manifestação directa de uma pura descarga “automática” da energia pulsional,
mas, antes, como um forço extremo no sentido de capturar o inominável.
Ser tomado por um ataque de
pânico atesta, pois, o reconhecimento inequívoco por parte do sujeito da
dimensão de desamparo fundamental subjacente ao funcionamento psíquico.
Através do pânico busca-se um
certo domínio sobre as realizações possíveis do perigo. Trata-se, em última
instância, de uma estratégia bastante singular de eliminação do horizonte do
possível, no qual tudo o que é da ordem do terrível pode, efectivamente,
realizar-se. Tal estratégia consiste em tornar presente, imediato, aquilo que
assusta apenas por ser possível. Ou, mais precisamente, é a própria dimensão –
intransitiva – do possível que deve ser eliminada.
O pânico distingue-se do
terror, estado afectivo caracterizado precisamente pela perda de referências a
um lugar de desamparo no psíquico. No terror, o desamparo é sem limites, está
em todo o lugar e todo o momento. O não-senso é a sua marca fundamental. Já o
pânico refere-se aos momentos de vacilação em que os limites que o sujeito
reconhece como separando-o de um abismo infinito parecem apagar-se. O terror
implica paralisia, entrega de si mesmo ao mortífero. É do lado da vida que se
tem pânico.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Notas sobre Os Ataques de Pânico # 2
No pânico é antes o morrer do
que a morte o que se constitui em problema. O pânico constitui a marca e a
prova de que o aparelho psíquico descobriu a sua precariedade fundamental
enquanto tal. Através do ataque de pânico, o sujeito busca, de alguma forma tornar
apreensível no plano psíquico a experiência inominável do desamparo. As
experiências repetidas do “estar morrendo” que se instalam no pânico parecem
constituir uma tentativa de obter um certo domínio sobre o que escapa às
possibilidades de simbolização e que é vivenciado sob o nome geral de “morte”.
Ter ataques repetidos de pânico constitui uma tentativa, por assim dizer, de
esvaziar a morte do seu conteúdo incognoscível, por meio de uma
actualização-antecipação do momento de entrada nesse estado de desvalia;
trata-se de um esforço por “tocar” o impossível, aquilo que escapa sempre e
necessariamente ao psíquico, isto é, um esforço de controlar o momento de
abandono por parte do outro suposto protector e fiador do mundo.
A experiência de desintegração
psíquica acompanha a ameaça do seu desaparecimento. O sujeito em pânico
considera que a presença concreta do outro fiador da estabilidade do seu mundo
é uma condição indispensável para a sua própria sobrevivência. Se há algo de
mortal no pânico é essa sorte de ataque contra si mesmo como expressão de apelo
– mas também de revolta e desespero – diante do outro protector que abandona.
Um ataque de pânico constitui,
assim, um grito desesperado, um pedido de ajuda e uma expressão de revolta
dirigidos a este fiador superpotente de quem o sujeito espera protecção e amor.
A crise de pânico dirige-se,
portanto, ao Outro (“pré-histórico e inesquecível”) ainda que este não possa
ser objectivado em alguém delimitável: a crise constitui um pedido de amor, um
reconhecimento, um apelo ao sujeito para não ser abandonado, sem ajuda, ao seu
próprio desamparo. As vertigens e as sensações de estar em queda livre (de
estar caindo sem parar), tão frequentes nos ataques de pânico, parecem
manifestar corporalmente a vivência de abandono pelo objecto protector, fiador
da estabilidade do mundo.
Realmente não há garantia para
nada, ninguém me pode proteger contra o possível.
Até ao início das crises, a
questão do desamparo não se colocara de facto. Quando, subitamente, o individuo
se vê confrontado com ela, a ilusão desaba mas nada consegue ser colocado no
seu lugar. Não há nenhuma possibilidade de subjectivação da falta de garantias
pois essa “descoberta” terrível é feita toda de uma vez. Restam apenas o
desespero e o esforço desatinado para “fazer alguma coisa”: a confluência
dessas duas tendências materializa-se no pânico.
O abandono tão temido pelo
indivíduo acometido por ataques de pânico tem contornos bastante específicos.
Primeiro, apresenta-se como algo concreto: a ameaça de separação de uma pessoa
em particular, da perda de uma situação estável, o medo de que mudanças venham
a interferir de modo catastrófico na sua vida habitual ou na sua saúde.
Eles [ataques de pânico],
começam frequentemente (…) após um evento que confirma ao sujeito o carácter
incerto, imprevisível e potencialmente ameaçador do mundo. Assim, a morte de um
ente próximo, uma doença grave na família, a separação de um ser amado são
situações relatadas de modo quase rotineiro aos que cuidam de pessoas sofrendo
de ataques de pânico como tendo desencadeado os ataques. A perda real de um
próximo constitui para esses sujeitos a mais abominável concretização dos seus
fantasmas de abandono e de impotência ante um mundo excessivamente perigoso.
Eles constatam: “Então a situação de desamparo é mesmo possível!” e ficam
desesperados.
In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
Notas sobre Os Ataques de Pânico # 1
Os ataques de pânico –
brutais, incompreensíveis, repetitivos – não parecem remeter a nada senão a
eles mesmos, constituindo-se aparentemente uma experiência de pura perda. Aos
olhos de quem os experimenta, tais ataques podem parecer absurdos e sem
qualquer relação com o resto da sua vida psíquica. Eles apresentam-se como
“espontâneos” e “incompreensíveis”.
O pânico apresenta-se antes
de mais nada como esmagamento da linguagem, mutismo e paralisia, colocando o
sujeito necessariamente na situação de só poder falar da sua aterradora
vivência psíquica a posteriori
[nachtraglich], num tempo em que não se está mais em pânico.
(…) o pânico é o estado
afectivo que se instaura quando o aparelho psíquico, vendo-se radicalmente confrontado
com a Hilflosigkeit – sua dimensão de desamparo fundamental – descobre, com terror,
que o lugar onde esperava encontrar a presença concreta de um fiador da estabilidade
do seu mundo está fundamentalmente vazio.
Tal confrontação, para resultar
em pânico, implica (…) que até ao momento das crises, a dimensão de desamparo da
linguagem havia sido “tamponada” naquele sujeito pela presença concreta de “objectos-fiadores”
que permitiam a manutenção inalterada de uma ilusão de se estar totalmente protegido
por um ser omnipotente, imortal e benfazejo.
Por vezes, a própria questão de
falta de garantias sequer chega a ser colocada. O pânico instaura-se num momento
de derrocada desse sistema de ilusões. (…) Instala-se, portanto, em momentos em
que o aparelho psíquico se vê obrigado a reconhecer os limites enquanto tais, de
suas possibilidades de simbolização, mas não suporta nem o peso nem as consequências
desse reconhecimento, dado que a existência de tais limites passa a ser vivenciada
como uma ameaça iminente de desabamento do mundo simbolicamente organizado.
In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
Angústia
A angústia é um sinal do Eu visando
impedir que o desenrolar dos processos psíquicos leve a uma situação em que a angústia
ficaria totalmente incontrolável e invasiva. Freud afirmou por várias vezes que
“o homem defende-se contra o terror [Schreck] através da angústia [Angst].
terça-feira, 13 de janeiro de 2015
Os textos que eu não escrevi # 5
Antiautoajuda para 2015
Quando as pessoas dizem que se
sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam
o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à
noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão
doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo,
sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está
feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha
sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os
psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não
pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”.
É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse
mundo que ajudamos a criar e que nos violenta. Não acho que os felizes e
saltitantes sejam mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se
existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.
Olho ao redor e não todos, mas
quase, usam algum tipo de medicamento psíquico. Para dormir, para acordar, para
ficar menos ansioso, para chorar menos, para conseguir trabalhar, para ser
“produtivo”. “Para dar conta”, é uma expressão usual. Mas será que temos de dar
conta do que não é possível dar conta? Será que somos obrigados a nos submeter
a uma vida que vaza e a uma lógica que nos coisifica porque nos deixamos
coisificar? Será que não dar conta é justamente o que precisa ser escutado, é
nossa porção ainda viva gritando que algo está muito errado no nosso cotidiano
de zumbi? E que é preciso romper e não se adequar a um tempo cada vez mais
acelerado e a uma vida não humana, pela qual nos arrastamos com nossos olhos
mortos, consumindo pílulas de regulação do humor e engolindo diagnósticos de
patologias cada vez mais mirabolantes? E consumindo e engolindo produtos e
imagens, produtos e imagens, produtos e imagens?
A resposta não está dada. Se
estivesse, não seria uma resposta, mas um dogma. Mas, se a resposta é uma
construção de cada um, talvez nesse momento seja também uma construção
coletiva, na medida em que parece ser um fenômeno de massa. Ou, para os que
medem tudo pela inscrição na saúde, uma das marcas da nossa época, estaríamos
diante de uma pandemia de mal-estar. Quero aqui defender o mal-estar. Não como
se ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deveria estar ali, e
portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo. Defendo o mal-estar – o seu, o
meu, o nosso – como aquilo que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo
sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que destrutiva e, nos últimos
séculos, também autodestrutiva. É o mal-estar que nos diz que algo está errado
e é preciso se mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda, mas
como uma troca de posição, o que custa, demora e exige os nossos melhores
esforços. Exige que, pela manhã, a gente não apenas acorde, mas desperte.
Eliane Brum
Leia o texto completo Aqui
sexta-feira, 2 de janeiro de 2015
quinta-feira, 1 de janeiro de 2015
sábado, 27 de dezembro de 2014
quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
Para que serve a utopia?
Para que serve a utopia?
A utopia está no horizonte e se está no horizonte eu nunca
vou poder alcançá-la porque, se caminho dez passos, a utopia vai distanciar-se
dez passos, e se caminho vinte passos, a utopia vai colocar-se vinte passos
mais além.
Ou seja, eu sei que jamais, nunca, a alcançarei. Para que
serve? Para isso, para caminhar.
Eduardo
Galeano, citando Fernando Birri
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
terça-feira, 22 de julho de 2014
"Enquanto não encerramos um capítulo, não podemos
partir para o próximo. Por isso é tão importante deixar certas coisas irem
embora, soltar, desprender-se. As pessoas precisam entender que ninguém está
jogando com cartas marcadas, às vezes ganhamos e às vezes perdemos. Não
espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram
seu génio, que entendam seu amor. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho,
por incapacidade ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se
encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a
poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é."
Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa.
domingo, 20 de julho de 2014
Os Mecanismos de Defesa do Ego
Freud utiliza pela primeira vez o termo “defesa” em 1894 (As psiconeuroses de defesa). Os mecanismos de defesa são estratégias inconscientes que o sujeito usa para tentar reduzir a tensão e a ansiedadefruto dos conflitos entre id, ego e superego.
Os mecanismos de defesa do ego são formas ilusórias de resolução, pois apenas disfarçam o conflito. Segundo Freud, a nossa vida psíquica desenrola-se sob o signo do conflito, ou seja, entre a necessidade de satisfação do id e os impedimentos e proibições que emanam da sociedade e estão interiorizados no superego. O conflito é “resolvido” pelo ego, que agindo segundo o princípio da realidade, procura conciliar forças pulsionais opostas, reduzindo desta forma a ansiedade intrapsíquica. Actuando principalmente de forma inconsciente protegem o indivíduo da angústia pela não tomada de consciência do conflito.
A ansiedade neurótica surge quando o ego sente que pode ficar sobrecarregado pelo id, dito de outra forma, quando as necessidades do id se tornam tão poderosas que o ego sente-se incapaz de as controlar, e a irracionalidade do id pode manifestar-se através de pensamentos e comportamentos.
Qualquer forma de ansiedade é desconfortável daí que se procure eliminar ou reduzi-la. A função do ego é lidar com a ansiedade, para isso, segundo Freud, vai recorrer aos processos aos processos ao seu dispor, ou seja, os mecanismos de defesa do ego.
Recalcamento: o sujeito envia para o id as pulsões desejos e sentimentos que não pode admitir no seu ego. Os conteúdos recalcados, apesar de inconsciente, continuam actuantes e tendem a reaparecer de forma disfarçada (sonhos, actos falhados, lapsos).
Regressão: o sujeito adopta modos de pensar, atitudes e comportamentos característicos de uma fase de desenvolvimento anterior. Face à frustração ou incapacidade de lidar com certos problemas, a criança ou o adulto regridem, procurando a protecção sentida no passado.
Racionalização: o sujeito oculta de si e do outro as verdadeiras razões e justifica racionalmente o seu comportamento, retirando assim, os aspectos emocionais de uma situação geradora de angústia.
Projecção: o sujeito atribui a outros (sociedade, pessoas, objectos) desejos, ideias, características que não consegue admitir em si próprio.
Deslocamento: o sujeito transfere pulsões emoções do seu objecto natural, mas “perigoso” para um objecto substitutivo, mudando assim o objecto que satisfaz a pulsão.
Formação reactiva ou compensação: o sujeito “resolve o conflito entre os valores e as tendências consideradas inaceitáveis apresentando comportamentos opostos às pulsões. Ser, por exemplo, extremamente amável com alguém que odeia.
Sublimação: o sujeito substitui a satisfação pulsional por algo socialmente aceite. A eficácia do processo de sublimação implica que o objecto de substituição satisfaça o sujeito de forma real ou simbólica. Arte.
quinta-feira, 17 de julho de 2014
terça-feira, 24 de junho de 2014
A Psicologia da Dança em Festivais
Por cá a época dos festivais já começou mas ainda vamos a
tempo de procurar respostas para algumas perguntas: Why we love festivals so much, and why in particular we love dancing at them?
quinta-feira, 19 de junho de 2014
segunda-feira, 2 de junho de 2014
No comboio da loucura sem bilhete de ida-e-volta
Neste magnífico trabalho de António
Araújo - O Trem de doidos -, somos confrontados com dados históricos que
possuem uma actualidade assombrosa. A experiência que David Rosenham efectuou
em 1972, podia ser replicada hoje, e os resultados seriam exactamente os mesmos.
Como se não bastasse tem ainda
uma entrevista à jornalista premiada Daniela Arbex que conta a história de vida
e morte do Hospício Colônia, o maior do Brasil e que se encontrou em
funcionamento até aos anos oitenta.
Leiam. Obrigatório!
terça-feira, 13 de maio de 2014
Catarse - Método Catártico
Método de Psicoterapia em que o
efeito terapêutico procurado é um “purgação” (catharsis), uma descarga adequada dos afectos patogénicos. O
tratamento permite ao indivíduo evocar e até reviver os acontecimentos
traumáticos a que esses afectos estão ligados, e ab-reagi-los.
Historicamente, o “método catártico”
pertence ao período (1880-1895) em que a terapêutica psicanalítica se define
progressivamente a partir de tratamentos operados em estado hipnótico.
O termo catharsis é uma palavra grega que significa purificação, purgação.
Foi utilizado por Aristóteles para designar o efeito produzido no espectador
pela tragédia: “A tragédia é a imitação de uma acção virtuosa e realizada que,
por meio do temor e da piedade, suscita
purificação de certas paixões.”
Breuer e depois Freud retomaram
este termo, que exprime para eles o efeito esperado de uma ab-reacção adequada
do traumatismo. Sabe-se efectivamente que, segundo a teoria desenvolvida nos Estudos sobre a Histeria (1895), os
afectos que não conseguiram encontrar o caminho para a descarga ficam “coarctados”,
exercendo então efeitos patogénicos. Resumindo mais tarde a teoria da catarse,
escreve Freud: “Supunha-se que o sintoma histérico tinha origem quando a
energia de um processo psíquico não podia chegar à elaboração consciente e era
dirigida para a enervação corporal (conversão) […]. A cura era obtida pela
libertação do afecto desviado, e a sua descarga por vias normais (ab-reacção).
A catarse nem por isso deixa de
ser uma das dimensões de toda a psicoterapia analítica. […] Do mesmo modo, a
perlaboração, a simbolização pela linguagem, estavam já pré-figuradas no valor
catártico que Breuer e Freud reconheciam à expressão verbal: “É na linguagem
que o homem encontra um substituto para o acto, substituto graças ao qual o
afecto pode ser ab-reagido quase da mesma maneira…”
Vocabulário da Psicanálise – J.
Laplanche & J.B. Pontalis
segunda-feira, 5 de maio de 2014
(...) mãos fechadas, é assim que nascemos, pensou ele, com
os punhos cerrados, o meu filho não agarra em nada senão nele mesmo, mas aos
poucos aprenderá a abri-las, aprenderá que para ter coisas é preciso abrir as
mãos, só assim se consegue amar, não é (...)
Para onde vão os guarda-chuvas
Para onde vão os guarda-chuvas
Afonso Cruz
domingo, 27 de abril de 2014
Liberdade
Nos meus
cadernos de escola
no banco dela e
nas árvores
e na areia e na
neve
escrevo o teu
nome
Em todas as
folhas lidas
nas folhas todas
em branco
pedra sangue
papel cinza
escrevo o teu
nome
Nas imagens
todas de ouro
e nas armas dos
guerreiros
nas coroas dos
monarcas
escrevo o teu
nome
Nas selvas e nos
desertos
nos ninhos e nas
giestas
no eco da minha
infância
escrevo o teu
nome
Nas maravilhas
das noites
no pão branco
das manhãs
nas estações
namoradas
escrevo o teu
nome
Nos meus
farrapos de azul
no charco sol
bolorento
no lago da lua
viva
escrevo o teu
nome
Nos campos e no
horizonte
nas asas dos
passarinhos
e no moinho das
sombras
escrevo o teu
nome
No bafejar das
auroras
no oceano nos
navios
e na montanha
demente
escrevo o teu
nome
Na espuma fina
das nuvens
no suor do
temporal
na chuva espessa
apagada
escrevo o teu
nome
Nas formas mais
cintilantes
nos sinos todos
das cores
na verdade do
que é físico
escrevo o teu
nome
Nos caminhos
despertados
nas estradas
desdobradas
nas praças que
se transbordam
escrevo o teu
nome
No candeeiro que
se acende
no candeeiro que
se apaga
nas minhas casas
bem juntas
escrevo o teu
nome
No fruto cortado
em dois
do meu espelho e
do meu quarto
na cama concha
vazia
escrevo o teu
nome
No meu cão
guloso e terno
nas suas orelhas
tesas
na sua pata
desastrada
escrevo o teu
nome
No trampolim
desta porta
nos objectos
familiares
na onda do lume
bento
escrevo o teu
nome
Na carne toda
rendida
na fronte dos
meus amigos
em cada mão que
se estende
escrevo o teu
nome
Na vidraça das
surpresas
nos lábios todos
atentos
muito acima do
silêncio
escrevo o teu
nome
Nos refúgios
destruídos
nos meus faróis
arruinados
nas paredes do
meu tédio
escrevo o teu
nome
Na ausência sem desejos
na desnuda
solidão
nos degraus
mesmos da morte
escrevo o teu
nome
Na saúde
rediviva
aos riscos
desaparecidos
no esperar sem
saudade
escrevo o teu
nome
Por poder de uma
palavra
recomeço a minha
vida
nasci para
conhecer-te
nomear-te
Liberdade.
Paul Éluard
trad. Jorge de Sena
quinta-feira, 3 de abril de 2014
A dor
Sei, hoje,
exactamente aquilo que falhei:
não senti a dor
até ao fim. Fugi
antes que ela se
tornasse coisa nenhuma
e fosse já nada
diferente de mim, do que sou
antes, depois,
durante as coisas sensíveis
tangíveis,
tacteadas, apalpadas na escuridão
dos anos.
Sem luz nem cor
nem beleza possível
de julgar.
E, súbito, tudo
são corpos a cair contra corpos
imaginar é o dom
que lhes foi dado.
imaginar a
beleza e a fealdade, o longe e o
perto que se
está de cada coisa.
Nenhuma vitória
me ensinará mais que um naufrágio
nenhuma vida é
mais vida por ter mais risos que palhaços
menos esperas
que encontros.
A vida eterna
não promete o sol nem o calor nem a riqueza nem
abraços. Os
livros
falam da paz. E
da paz só. A paz apenas prometem, por isso
sei, hoje, o que
sonhar para a morte.
Subo e desço das
camas, das cadeiras, dos lugares
agarro-me ao que
acaba como se o mar me fosse engolir depois
enquanto as
trevas rodam em torno da terra e
deixam
intervalos de luz,
corro contra as
horas
para não chegar
tarde, para não ser esquecido
para não me
mentir
mas o que
importa é subir e descer, manter-se
à superfície de
si mesmo, não interessa em que mar
as camas, as
cadeiras, os lugares, os corpos sem cor
continuarão
antes depois durante os intervalos de luz
e só eu poderei
responder à morte
a que preço está
a vida eterna,
em quantos anos
pagarei
os juros do
empréstimo
com que comprei
a paz.
Alexandre Borges
– Heartbreak Hotel
Psicoterapia
sábado, 29 de março de 2014
quinta-feira, 27 de março de 2014
A SÍNDROME DO BURN-OUT
“Oito em cada dez portugueses estão exaustos e querem mudar de emprego”: eis o título de uma notícia do PÚBLICO, na semana passada, onde se divulgava o resultado de um inquérito.
Esta forma de exaustão é global, é uma epidemia, e foi baptizada em língua inglesa com um nome cuja tradução ainda não foi fixada com rigor nas línguas latinas: burn-out. Diz-se que o pai do conceito é Graham Greene, que o utilizou como título de um romance, de 1960, A Burnt-out Case (a ortografia do termo inglês tinha, então, um t final).
O burn-out é uma doença da civilização, exclusivamente ligada aos aspectos que caracterizam a organização contemporânea do trabalho.
Distingue-se, pois, da depressão, que não precisa do contexto laboral para se revelar.
Esta doença do bom cidadão trabalhador, que sofre um “incêndio” metafórico (como sugere a palavra inglesa) apresenta os seguintes sintomas: fadiga até ao limite do esgotamento, ansiedade, incapacidade de controlar o stress, despersonalização e impotência.
Esta doença do “too much” é reveladora de um demónio – o demónio do trabalho – que retira o mais precioso dos nossos bens: o tempo. E a palavra “demónio” justifica-se plenamente porque os estudiosos desta doença social dizem que ela tem um equivalente na acédia medieval – esse mal de que sofriam os monges na Idade Média e que os fazia perder a fé no sistema divino. Por conseguinte, o burn-out é para as empresas o que a acédia foi para a Igreja.
Em média, o tempo de trabalho é hoje superior ao que vigorava no século XIX. Todas as utopias que prometiam uma sociedade do lazer e viam no progresso tecnológico um meio que nos libertaria do trabalho foram desmentidas. Pior do que isso: a evolução e multiplicação dos utensílios, em vez de serem factores de libertação, dilataram o tempo de trabalho e elevaram à máxima potência a lógica económica que se realiza na corrida pelo aumento da produção e do lucro.
Evidentemente, isso só foi possível pondo em prática métodos de gestão que submetem, controlam, pressionam, induzem a uma competição que quebra solidariedades e criam delatores. Veja-se, aliás, como o apelo governamental à delação – algo que outrora seria considerado abjecto – se começa a generalizar.
O burn-out consiste em ultrapassar o limiar da resistência a uma adaptação violenta, coerciva, que, no limite, exige dos empregados que eles sejam “empreendedores” e, até, que os artistas se inclinem perante os códigos e as prerrogativas das indústria culturais.
Adaptação e flexibilidade são os nomes da actual ideologia do trabalho e da produção.
A descoberta desta doença chamada burn-out deve-se muito a um médico americano (nascido na Alemanha em 1926), chamado Herbert J. Freudenberger, que a diagnosticou em si mesmo.Ao tratar de toxicómanos numa clínica de Nova Iorque, ele descobriu a certa altura que estava mais doente do que eles.
Esta situação é a regra em que vivemos: os hospitais estão cheios de médicos doentes; as escolas estão cheias de professores que temem mais as aulas e a avaliação a que estão submetidos do que os alunos que eles ensinam e avaliam; os guardas das prisões estão tão encarcerados como os detidos que eles vigiam. Não há exterior ao tempo de trabalho. E, imersos em tudo isto, aqueles que dizem combater o capitalismo, ou pelo menos as suas lógicas mais nefastas, não fazem senão exaltar o trabalho e fixar as formas de vida que ele implica. O axioma de Carl Schmitt, segundo o qual o nosso inimigo se assemelha a nós, encontra aqui uma bela confirmação.
António Guerreiro
in Ípsilon (21.03.2014)
domingo, 16 de março de 2014
Retornos
Retornos
Voltou. Não
disse nada.
Mas estava claro
que teve algum desgosto.
Deitou-se
vestido.
Cobriu a cabeça
com o cobertor.
Encolheu as
pernas.
Tem uns quarenta
anos, mas não agora.
Existe --mas só
como na barriga da mãe
na escuridão
protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma
palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica
metagaláctica.
Por ora dorme,
todo enroscado.
SZYMBORSKA,
Wisława. Poemas. Tradução de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
Psicoterapia
terça-feira, 11 de março de 2014
Nós somos um bocadinho mais que uma reacção química?!
Recentemente
estive a conversar com um jovem sobre a sua ansiedade, que era sentida por ele
como muito intensa. Quando lhe perguntei acerca do que seria a sua ansiedade
ele disse que não sabia. Quando lhe sugeri que podíamos tentar explorar sobre o
que se tratava a ansiedade ele disse que era tão intensa que devia ser bioquímica.
Isso significava que para ele a ansiedade não podia ser entendida como sendo
psicológica, mas tinha que ser tratada como parte da sua “doença”. Eu reconheci
que a ansiedade envolve bioquímica, mas mostrei-lhe que também existem
experiências e interpretações das experiências que despoletam reacções
químicas. Por exemplo, se alguém aponta uma arma na nossa direcção,
provavelmente vamos sentir um intenso processo bioquímico dentro de nós mas a
experiência não seria “apenas bioquímica”.
Se
as pessoas procuram compreender (se) e trabalhar os seus problemas emocionais é
essencial que tenham curiosidade sobre as suas experiências/vivências e possam
reflectir sobre o que os pode ter desencadeado. Por vezes essa curiosidade ou
reflexão trás importantes informações sobre essas experiências, e pode, por
vezes, permitir a identificação do que fez despontar a ansiedade e dessa forma possibilitar
a sua resolução. Claro que situações de ansiedade e de depressão, normalmente têm
origem em experiências muito mais complexas, e implica uma maior reflexão.
Vivemos
numa sociedade que não gosta da complexidade e da reflexão profunda, de modo
que já temos um viés na direcção de pensar que as emoções perturbadoras não
fazem sentido e rapidamente concluir que se trata apenas de uma questão química.
Este viés faz-nos pensar que não devemos vivenciar estados emocionais
perturbadores, por isso temos tendência a afastá-los ou a dissociá-los o que
torna mais difícil entendermos as causas e decidir o que fazer com eles.
Aqueles
que comercializam drogas psiquiátricas aproveitam este viés cultural para
oferecer uma pseudo-explicação sedutora, de que os estados emocionais
indesejáveis e que não são facilmente resolvidos devem ser o
resultado de um "desequilíbrio bioquímico" ou algum outro problema biológico. A nossa cultura tornou-se
fortemente influenciada por esta forma de ver as coisas, ao ponto da maioria
acreditar que os problemas emocionais graves para os quais não há uma
explicação fácil devem ser causados por uma falha bioquímica, em vez de ser
algo que pode ser potencialmente compreendido e resolvido.
O
triste resultado deste esforço de marketing tem sido o drástico agravar da
tendência cultural para evitar ouvirmo-nos uns aos outros e a nós mesmos.
Qualquer problema mental ou emocional que não pode ser resolvido rapidamente é
"bioquímico" e não vale a pena sequer tentar entender, pelo
contrário, devemos partir logo para as drogas.
Quando
as pessoas estão traumatizadas ou quando experimentam conflitos que excedem a
sua capacidade de lidar com eles dá-se uma dissociação. Quando a dissociação é
o problema, há uma necessidade de trabalhar no sentido de uma maior compreensão
e integração. No entanto, o efeito da crença no desequilíbrio bioquímico vai
aumentar a dissociação. Ao invés de se questionar acerca das origens da ansiedade
ou da depressão, por exemplo, a pessoa convencida de que é um desequilíbrio
bioquímico procura apenas livrar-se dela sem tentar compreender a sua origem
interna.
Quando
as pessoas estão convencidas que os seus problemas são bioquímicos têm menos
propensão em explorar o problema com outras pessoas ou com um terapeuta. E,
quando o terapeuta está convencido de que o problema do paciente é
"bioquímico" então, deve aconselhá-lo a procurar tratamento através
da medicação. (as teorias do “ desequilíbrio bioquímico" também são óptimas
para explicar as falhas de compreensão por parte dos terapeutas!)
O
resultado final desta desinformação provocada pelo marketing pode ser
extremamente iatrogénica, e ser uma das causas primárias, juntamente com os
efeitos secundários a longo prazo das drogas, do agravamento da saúde mental.
Adaptado e traduzido daqui
Psicoterapia - uma definição
Gostaria
que houvesse alguém que ouvisse a minha confissão.
Não um padre. Não quero que me digam os meus pecados.
Não a minha mãe. Não quero causar tristeza.
Não uma amiga. Não entenderia o bastante.
Não um amante. Seria parcial demais.
Não Deus. Ele é tão distante.
Mas alguém que fosse ao mesmo tempo
o amigo, o amante, a mãe, o padre, Deus e ainda um estranho.
Não julgaria, nem interferiria
e, quando tudo tivesse sido dito desde o inicio até o fim,
mostraria a razão das coisas, daria força para continuar
e para resolver tudo à minha própria maneira.
Poema de 1916, atribuído a uma adolescente americana de 15 anos.
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