No pânico é antes o morrer do
que a morte o que se constitui em problema. O pânico constitui a marca e a
prova de que o aparelho psíquico descobriu a sua precariedade fundamental
enquanto tal. Através do ataque de pânico, o sujeito busca, de alguma forma tornar
apreensível no plano psíquico a experiência inominável do desamparo. As
experiências repetidas do “estar morrendo” que se instalam no pânico parecem
constituir uma tentativa de obter um certo domínio sobre o que escapa às
possibilidades de simbolização e que é vivenciado sob o nome geral de “morte”.
Ter ataques repetidos de pânico constitui uma tentativa, por assim dizer, de
esvaziar a morte do seu conteúdo incognoscível, por meio de uma
actualização-antecipação do momento de entrada nesse estado de desvalia;
trata-se de um esforço por “tocar” o impossível, aquilo que escapa sempre e
necessariamente ao psíquico, isto é, um esforço de controlar o momento de
abandono por parte do outro suposto protector e fiador do mundo.
A experiência de desintegração
psíquica acompanha a ameaça do seu desaparecimento. O sujeito em pânico
considera que a presença concreta do outro fiador da estabilidade do seu mundo
é uma condição indispensável para a sua própria sobrevivência. Se há algo de
mortal no pânico é essa sorte de ataque contra si mesmo como expressão de apelo
– mas também de revolta e desespero – diante do outro protector que abandona.
Um ataque de pânico constitui,
assim, um grito desesperado, um pedido de ajuda e uma expressão de revolta
dirigidos a este fiador superpotente de quem o sujeito espera protecção e amor.
A crise de pânico dirige-se,
portanto, ao Outro (“pré-histórico e inesquecível”) ainda que este não possa
ser objectivado em alguém delimitável: a crise constitui um pedido de amor, um
reconhecimento, um apelo ao sujeito para não ser abandonado, sem ajuda, ao seu
próprio desamparo. As vertigens e as sensações de estar em queda livre (de
estar caindo sem parar), tão frequentes nos ataques de pânico, parecem
manifestar corporalmente a vivência de abandono pelo objecto protector, fiador
da estabilidade do mundo.
Realmente não há garantia para
nada, ninguém me pode proteger contra o possível.
Até ao início das crises, a
questão do desamparo não se colocara de facto. Quando, subitamente, o individuo
se vê confrontado com ela, a ilusão desaba mas nada consegue ser colocado no
seu lugar. Não há nenhuma possibilidade de subjectivação da falta de garantias
pois essa “descoberta” terrível é feita toda de uma vez. Restam apenas o
desespero e o esforço desatinado para “fazer alguma coisa”: a confluência
dessas duas tendências materializa-se no pânico.
O abandono tão temido pelo
indivíduo acometido por ataques de pânico tem contornos bastante específicos.
Primeiro, apresenta-se como algo concreto: a ameaça de separação de uma pessoa
em particular, da perda de uma situação estável, o medo de que mudanças venham
a interferir de modo catastrófico na sua vida habitual ou na sua saúde.
Eles [ataques de pânico],
começam frequentemente (…) após um evento que confirma ao sujeito o carácter
incerto, imprevisível e potencialmente ameaçador do mundo. Assim, a morte de um
ente próximo, uma doença grave na família, a separação de um ser amado são
situações relatadas de modo quase rotineiro aos que cuidam de pessoas sofrendo
de ataques de pânico como tendo desencadeado os ataques. A perda real de um
próximo constitui para esses sujeitos a mais abominável concretização dos seus
fantasmas de abandono e de impotência ante um mundo excessivamente perigoso.
Eles constatam: “Então a situação de desamparo é mesmo possível!” e ficam
desesperados.
In Pânico e Desamparo
Mário Eduardo C. Pereira
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