Antiautoajuda para 2015
Quando as pessoas dizem que se
sentem mal, que é cada vez mais difícil levantar da cama pela manhã, que passam
o dia com raiva ou com vontade de chorar, que sofrem com ansiedade e que à
noite têm dificuldade para dormir, não me parece que essas pessoas estão
doentes ou expressam qualquer tipo de anomalia. Ao contrário. Neste mundo,
sentir-se mal pode ser um sinal claro de excelente saúde mental. Quem está
feliz e saltitante como um carneiro de desenho animado é que talvez tenha
sérios problemas. É com estes que deveria soar uma sirene e por estes que os
psiquiatras maníacos por medicação deveriam se mobilizar, disparando não
pílulas, mas joelhaços como os do Analista de Bagé, do tipo “acorda e se liga”.
É preciso se desconectar totalmente da realidade para não ser afetado por esse
mundo que ajudamos a criar e que nos violenta. Não acho que os felizes e
saltitantes sejam mais reais do que o Papai Noel e todas as suas renas, mas, se
existissem, seriam estes os alienados mentais do nosso tempo.
Olho ao redor e não todos, mas
quase, usam algum tipo de medicamento psíquico. Para dormir, para acordar, para
ficar menos ansioso, para chorar menos, para conseguir trabalhar, para ser
“produtivo”. “Para dar conta”, é uma expressão usual. Mas será que temos de dar
conta do que não é possível dar conta? Será que somos obrigados a nos submeter
a uma vida que vaza e a uma lógica que nos coisifica porque nos deixamos
coisificar? Será que não dar conta é justamente o que precisa ser escutado, é
nossa porção ainda viva gritando que algo está muito errado no nosso cotidiano
de zumbi? E que é preciso romper e não se adequar a um tempo cada vez mais
acelerado e a uma vida não humana, pela qual nos arrastamos com nossos olhos
mortos, consumindo pílulas de regulação do humor e engolindo diagnósticos de
patologias cada vez mais mirabolantes? E consumindo e engolindo produtos e
imagens, produtos e imagens, produtos e imagens?
A resposta não está dada. Se
estivesse, não seria uma resposta, mas um dogma. Mas, se a resposta é uma
construção de cada um, talvez nesse momento seja também uma construção
coletiva, na medida em que parece ser um fenômeno de massa. Ou, para os que
medem tudo pela inscrição na saúde, uma das marcas da nossa época, estaríamos
diante de uma pandemia de mal-estar. Quero aqui defender o mal-estar. Não como
se ele fosse um vírus, um alienígena, um algo que não deveria estar ali, e
portanto tornar-se-ia imperativo silenciá-lo. Defendo o mal-estar – o seu, o
meu, o nosso – como aquilo que desde as cavernas nos mantém vivos e fez do homo
sapiens uma espécie altamente adaptada – ainda que destrutiva e, nos últimos
séculos, também autodestrutiva. É o mal-estar que nos diz que algo está errado
e é preciso se mover. Não como um gesto fácil, um preceito de autoajuda, mas
como uma troca de posição, o que custa, demora e exige os nossos melhores
esforços. Exige que, pela manhã, a gente não apenas acorde, mas desperte.
Eliane Brum
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