terça-feira, 26 de março de 2013
domingo, 24 de março de 2013
Circuito fechado - Tu não compreendes e eu não consigo explicar
- Tu não compreendes e eu não
consigo explicar. Neste circuito fechado, não há saída possível. No entanto,
deve dizer-se, que este percurso não nasceu assim, ele foi-se fechando à medida
que a compreensão foi diminuindo. É exactamente a compreensão, a tradução do
sentimento do outro, que permite um aumento da capacidade de explicar e de
compreender aquilo que se sente. Um pai ao dar um nome (traduzir) a um
sentimento de um filho aumenta-lhe o vocabulário afectivo, permitindo dessa forma
que ele possa comunicar – ter uma relação -. Quando isso não
acontece, cria-se lentamente um circuito fechado, entupido de sentimentos à
procura de um nome. A energia, então despendida para alcançar o outro, é agora
usada na protecção dos conteúdos/sentimentos sem nome que precisam ser mantidos
a uma certa distância para não contaminarem todo o aparelho psíquico. A solidificação resultante do descrédito pelo semelhante
(pai, mãe, terapeuta, ...), acrescida pelo passar do
tempo, faz com que um enorme muro seja erguido e só a muito custo demolido. Na maioria dos casos, não estamos a
falar de dar uma segunda ou terceira oportunidade ao outro, mas de tentativas sucessivas,
e por vezes desesperadas, de ser compreendido que falharam. É preciso aceitar
a legitimidade da desesperança, da frustração e principalmente da raiva daquele
que se sente incompreendido. A partir daí abre-se uma nova oportunidade (talvez a última) para encontrar a compreensão junto do outro. Trabalho árduo,
meticuloso e de enorme responsabilidade. Dessa responsabilidade, devem estar
bem cientes, os terapeutas que com dedicação se entregam a tão nobre papel.
Psicoterapia
Contra a corrente
“Neste caminhar tumultuoso para
a massificação e uniformidade dos seres e do estilo de vida, em que o fenómeno
religioso cimenta a unidade pela obediência ao dogma ou verdade absoluta – que é
um contra-senso filosófico e científico, lógico e experimental – levantar o véu
do disfarce e da pseudo-adaptação, com sinceridade, sem medo, e com o interesse
único de investigar o que está por trás das máscara do aparente, como o faz o
psicanalista (e todo o autêntico homem de ciência), é uma ousadia que custa
cara pelo abalo que necessariamente provoca no sistema fechado da ideologia
envolvente, a qual – como em todos os momentos históricos de crise – tende a
organizar-se em código supremo de “harmonia entre os homens” e da “felicidade
na Terra” – utopia de sempre, ópio de todas as sociedades.”
terça-feira, 19 de março de 2013
“Crónico” quer dizer para a vida toda?
O artigo Why ADHD is Not Just a Problem for Kids,
publicado na revista Time começa com
uma frase bastante enigmática, que ainda não consegui descodificar “The effects
of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) can extend well beyond
childhood, according to the latest research”.
Os
efeitos? Poderia ficar aqui às voltas com os “efeitos” o resto do dia, mas
provavelmente a jornalista não estava muito ciente do que estava a escrever,
na verdade, até é desculpável, uma vez que as citações de um dos autores do
estudo são bastante ambíguas para não dizer, tendencialmente erróneas.
Num estudo realizado por
pesquisadores do Hospital infantil de Boston e da Mayo Clinic, concluiu-se que
29,3% das crianças às quais foi diagnosticado distúrbio da hiperactividade com
défice de atenção (TDAH), ainda o apresenta em adulto, juntamente com o aumento
da taxa de outros problemas psiquiátricos.
Só 29,3%? Tendo em conta que o
intervalo considerado anteriormente ia dos 6% aos 66%, o valor até não é muito mau.
W. Barbaresi, um dos autores do
estudo, refere com aparente pesar que se banalizou a questão e que temos que
reconhecer que a TDAH é uma doença crónica. E assim, num abrir e fechar de
olhos, condenou milhares de crianças para o resto da vida ao simpático rótulo
de “doentes mentais”.
Barbaresi, com a sua autoridade
científica refere: “temos que parar de banalizar a TDAH como sendo apenas um
problema de comportamento na infância”. Mas então, é um problema de
comportamento ou uma doença? Se é apenas um problema de comportamento porque se
estão a drogar crianças como se fosse uma punição? - Se não te portas bem
ponho-te a tomar Ritalina!
O Sr. Barbaresi sabe muito bem
que não há qualquer tipo de banalização, muito pelo contrário, a cada esquina
está uma criança com TDAH. Milhões no mundo inteiro. A banalização está
exactamente na forma como se atribui um diagnóstico que condena uma criança
para a vida toda.
O que realmente preocupa muito
o Sr. Barbaresi - a tal banalização - é o receio que os pais, quando os filhos crescerem,
decidam deixar de os medicar, ou eles, por iniciativa própria, deixem a
medicação. Mas pode dormir descansado, a malha é tão apertada que só alguns
conseguiram escapar.
Como provam os dados, dos adultos
que tinham TDAH 81% apresentava pelo menos mais um transtorno psiquiátrico
adicional. Dos que não apresentavam sinais da doença, 47% tinha pelo menos mais
um diagnóstico psiquiátrico.
Para terminar o Sr. Barbaresi
escancara as portas do inferno: “Temos que parar de banalizar o TDAH como sendo
apenas um problema comportamento da infância. A natureza e duração deste
estudo mostram que temos de reconhecê-lo como um problema de saúde crónico
grave que merece muito mais atenção do que tem recebido (…) o legado e as
implicações a longo prazo de um diagnóstico de TDAH não foram realmente
consideradas e estudadas de forma adequada, uma vez que a maioria dos médicos
tendem a pensar a condição como afectando principalmente crianças, que
tendem a superar uma vez que atingem a idade adulta.”
O que nos deve preocupar muito
são os Srs. Barbaresis, que de ânimo leve e com uma preocupação perversa, distorcem
a ordem das coisas. O que o Sr. Barbaresi não conclui, nem nunca irá concluir,
mas que os resultados comprovam é que quando a criança cai nas malhas da TDAH
arrisca-se com alta probabilidade a ser um doente mental crónico.
Desculpem o sublinhado: “crónicos”
quer dizer, para a vida toda. TODA.
posts relacionados: Distúrbio da Hiperactividade com Défice de Atenção ; Hiperactividade a quanto obrigas
psicologia clínica
sábado, 16 de março de 2013
O Alienista
Neste brilhante conto de
Machado de Assis, publicado em 1882, o conceituado médico Simão Bacamarte
resolve dedicar-se à psiquiatria dando início a um estudo sobre a loucura na Vila
de Itaguaí. Simão Bacamarte, em nome da ciência, dedica-se a classificar os
moradores da vila através da observação cuidada dos seus comportamentos, medindo
a loucura nas suas variações e graus. À medida que ia diagnosticando os
residentes de Itaguaí, Bacamarte resolvia interná-los na Casa Verde, fundada,
exactamente, com esse fim. Imbuído pelos rigores da ciência acaba por internar
a maioria dos habitantes da vila, inclusive, sua mulher, D. Evarista. Quando
Simão Bacamarte constata que o único sadio era ele, é atormentado por uma
questão ética, e como era o que se desviava do padrão, decide libertar
todos o loucos e internar-se na Casa Verde, onde passados dezassete meses,
morre solitário.
psicologia clínica
Infelizmente, aqueles (American Psychiatric Association) que se encontram com
a divertida tarefa de criar classificações, não têm – nem podiam ter, porque
são demasiados perturbados para olhar para si mesmos – o sentido ético de Simão
Bacamarte, para procurar internamento. Tal como Bacamarte, imbuídos por um
distorcido rigor científico, continuam a classificar os comportamentos humanos,
com a lupa da moralidade, do desrespeito pela singularidade do ser humano e,
como é óbvio, a servir, sem nenhum pudor, a indústria farmacêutica.
O Alienista, publicado há mais de 120 anos tem um
inquestionável carácter profético. Não deixa de ser curioso que é exactamente
na era das “liberdades individuais” que se assiste a um ataque a tudo o que sai
fora de uma certa normalidade (cada vez mais apertada), ao sujectivo, e dessa
forma, impedindo que se revele e se manifeste a alteridade.
quinta-feira, 7 de março de 2013
E se parasse de fazer perguntas parvas!?
Se a
psiquiatria clássica, de forma geral, esteve às voltas com fenômenos psíquicos
não codificáveis em termos do funcionamento orgânico, guardando espaço à
dimensão enigmática da subjetividade, a psiquiatria contemporânea promove uma
naturalização do fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica
cerebral, somente regulável por uso de remédios. Há aí uma inversão não pouco
assustadora, pois na lógica atual de construção diagnóstica, o remédio
participa da nomeação do transtorno. Visto que não há mais uma etiologia
(estudo das causas da doença) e uma historicidade a serem consideradas, pois a
verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da
medicação dão validade a um ou outro diagnóstico.
Renata Guarido
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posts relacionados: 365 razões para ficar apreensivo ; Diz-me quantas vezes fazes, dir-te-ei… ; O Alienista
terça-feira, 5 de março de 2013
Não basta querer, ver e saber
O amor e o ódio, a relação ou a
sua ruptura não dependem apenas do querer, do ver e do saber e não são mera consequência
linear da transição existencial, do acidente ou do trauma, nem o simples
resultado do desenrolar do programa genético ou da expressão e reacção do
corpo.
São também, e essencialmente,
produto do conflito interior: dos movimentos do desejo egoísta e omnipotente e
da pulsão bruta em busca do prazer cerceados pelo medo, a culpa e a vergonha
que a percepção subjectiva da realidade social fabricam. O aparelho psíquico é
um laboratório de elaboração da experiência, previsão dos acontecimentos e
construção do projecto que funciona a maior parte do tempo abaixo do limiar de
consciência, e cujo funcionamento os sonhos, o devaneio, a associação livre, os
actos falhados e outras emergências do inconsciente nos informam.
Luz e trevas, razão e afecto,
realidade e fantasia enquadram, movem e orientam a pessoa em situação. E se o pensamento
lógico e operante (…) permite adaptação ao real, é o livre fantasiar que,
abafando por momentos o ruído do saber acumulado, gera, no silêncio feito, novo
conhecimento.
A. Coimbra de Matos
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segunda-feira, 4 de março de 2013
Elogios – melhor que receber só mesmo merecer
Há coisas onde as crianças não diferem muito dos adultos: a satisfação de receber um elogio. Em ambos os casos o elogio pode não ser merecido, mas no que diz respeito aos filhos, os pais têm sempre um elogio “gratuito” para um poema horrível, para uma performance musical de arrepiar ou para um golo a 20 metros da baliza.
– Confiança -, dizem. – É preciso que ganhem auto-confiança para triunfarem na vida. Será que o elogio incondicional gera confiança ou dependência?
As crianças e os jovens gostam de sonhar com conquistas mirabolantes e aplausos intermináveis. No entanto, fazem-no muito mais pelo prazer do devaneio do que pelo desejo real de concretização. Por seu lado, os pais, investem (por vezes na pior acepção da palavra) de corpo e alma nos sonhos dos filhos (ou seus) exponenciando os seus dotes de forma desmesurada.
Os pais estão convencidos que para os filhos triunfarem precisam confiar cegamente nas suas qualidades, esquecendo que sem esforço nada se consegue. Assim, mesmo sem se justificarem, os pais desfazem-se em aplausos.
O problema é que os elogios incondicionais em vez de produzirem auto-confiança provocam dependência: os filhos ficam dependentes da aprovação dos pais e, mais tarde, dos outros. Escravos desta situação, invertem as prioridades: em vez de se esforçarem na concretização dos seus desejos, buscam os elogios.
Hoje, os filhos são o centro da vida de muitos pais e, ainda que encontremos aí um enorme altruísmo, na verdade, está também um grande vazio, que os pais procuram preencher através dos filhos. Isto acaba por gerar uma dependência desigual: os filhos tornam-se importantes para os pais e os pais indispensáveis para os filhos. Cada passo que o filho dá tem que ser antecedido de um sms de autorização/aprovação.
A visão actual sobre as crianças é muito diferente e, como normalmente acontece, para as compensar de todo o mal que lhes provocámos, passa-se para o outro extremo: endeusamento. Talvez as coisas não sejam assim tão simples e esse endeusamento tenha um preço elevado e, já lhes esteja a ser cobrado.
As crianças são o futuro, é incontestável. Não quererá isso também dizer que lhes colocamos a responsabilidade de compensarem as nossas falhas e fracassos? Não andaremos à procura de um orgulho retroactivo?
domingo, 3 de março de 2013
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