Neste brilhante conto de
Machado de Assis, publicado em 1882, o conceituado médico Simão Bacamarte
resolve dedicar-se à psiquiatria dando início a um estudo sobre a loucura na Vila
de Itaguaí. Simão Bacamarte, em nome da ciência, dedica-se a classificar os
moradores da vila através da observação cuidada dos seus comportamentos, medindo
a loucura nas suas variações e graus. À medida que ia diagnosticando os
residentes de Itaguaí, Bacamarte resolvia interná-los na Casa Verde, fundada,
exactamente, com esse fim. Imbuído pelos rigores da ciência acaba por internar
a maioria dos habitantes da vila, inclusive, sua mulher, D. Evarista. Quando
Simão Bacamarte constata que o único sadio era ele, é atormentado por uma
questão ética, e como era o que se desviava do padrão, decide libertar
todos o loucos e internar-se na Casa Verde, onde passados dezassete meses,
morre solitário.
Infelizmente, aqueles (American Psychiatric Association) que se encontram com
a divertida tarefa de criar classificações, não têm – nem podiam ter, porque
são demasiados perturbados para olhar para si mesmos – o sentido ético de Simão
Bacamarte, para procurar internamento. Tal como Bacamarte, imbuídos por um
distorcido rigor científico, continuam a classificar os comportamentos humanos,
com a lupa da moralidade, do desrespeito pela singularidade do ser humano e,
como é óbvio, a servir, sem nenhum pudor, a indústria farmacêutica.
O Alienista, publicado há mais de 120 anos tem um
inquestionável carácter profético. Não deixa de ser curioso que é exactamente
na era das “liberdades individuais” que se assiste a um ataque a tudo o que sai
fora de uma certa normalidade (cada vez mais apertada), ao sujectivo, e dessa
forma, impedindo que se revele e se manifeste a alteridade.
psicologia clínica
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