Como terapeuta sou procurado por pessoas que se encontram num
sofrimento agudo, mas também sou contactado por muitas que não estão satisfeitas
com a forma como vivem. Pessoas que aparentando ter condições para ter uma vida
mais preenchida não conseguem usufruir das relações afectivas, do estatuto profissional
conquistado ou da situação financeira desafogada. Essas pessoas procuram na
terapia ajuda para compreender o seu mal-estar, o que está “errado” com elas.
Outros procuram na terapia uma forma rápida de livrar-se do
mal-estar. Numa versão fast therapy, não
há nada para interrogar nem nada para compreender. Desejam apenas libertar-se
com a maior rapidez e de preferência, sem esforço, daquilo que as faz sofrer.
Bastam cinco minutos para enumerarmos várias contrariedades,
receios e angústias que ultrapassámos. Coisas que precisaram de tempo. Coisas que
fazem da vida, aquilo que ela é, e, de nós, aquilo que somos.
O meu pai guardava com algum zelo uma bola de futebol que
trazia da sua adolescência, até que um dia, muito menos zeloso, entre chutos e
cabeçadas, cheguei a casa sem ela. Não me disse grande coisa, mas a tristeza
nos olhos dele perdurou em mim uma eternidade. A culpa desmesurada que sentia
ultrapassava a dimensão que uma criança deve sentir numa situação daquelas. As
crianças perdem muitas coisas porque o seu pensamento não se foca facilmente
numa única actividade. Provavelmente, a culpa não vinha só da perda da bola,
mas era a parte mais visível.
Quando pensamos a culpa ela dá lugar à tristeza, e essa, mais
facilmente ultrapassada. Em vez de objectos cheios de arestas pontiagudas a
habitarem o nosso interior é preferível objectos arredondados e macios, mas
também consistentes, a moldar o nosso Eu. Quando deixamos de nos interrogar
estamos a paralisar o processo contínuo de transformações, a perder a
oportunidade de retocar aspectos da nossa ininterrupta construção.
A ideia da solução rápida e fácil que tomou conta do nosso
tempo só consegue ser superada por uma ainda pior: “tudo tem solução”. Não, não
é verdade, há coisas que não têm solução. Aquela bola não volta mais, mas poder
olhar para o meu pai sem me sentir culpado, poder jogar com ele com outra bola,
que não substitui a antiga, mas que está investida do mesmo afecto, mostra que
é desnecessário procurar alterar a realidade mas é fundamental deixar que a
realidade nos mude na nossa subjectividadade.
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