sábado, 29 de março de 2014
quinta-feira, 27 de março de 2014
A SÍNDROME DO BURN-OUT
“Oito em cada dez portugueses estão exaustos e querem mudar de emprego”: eis o título de uma notícia do PÚBLICO, na semana passada, onde se divulgava o resultado de um inquérito.
Esta forma de exaustão é global, é uma epidemia, e foi baptizada em língua inglesa com um nome cuja tradução ainda não foi fixada com rigor nas línguas latinas: burn-out. Diz-se que o pai do conceito é Graham Greene, que o utilizou como título de um romance, de 1960, A Burnt-out Case (a ortografia do termo inglês tinha, então, um t final).
O burn-out é uma doença da civilização, exclusivamente ligada aos aspectos que caracterizam a organização contemporânea do trabalho.
Distingue-se, pois, da depressão, que não precisa do contexto laboral para se revelar.
Esta doença do bom cidadão trabalhador, que sofre um “incêndio” metafórico (como sugere a palavra inglesa) apresenta os seguintes sintomas: fadiga até ao limite do esgotamento, ansiedade, incapacidade de controlar o stress, despersonalização e impotência.
Esta doença do “too much” é reveladora de um demónio – o demónio do trabalho – que retira o mais precioso dos nossos bens: o tempo. E a palavra “demónio” justifica-se plenamente porque os estudiosos desta doença social dizem que ela tem um equivalente na acédia medieval – esse mal de que sofriam os monges na Idade Média e que os fazia perder a fé no sistema divino. Por conseguinte, o burn-out é para as empresas o que a acédia foi para a Igreja.
Em média, o tempo de trabalho é hoje superior ao que vigorava no século XIX. Todas as utopias que prometiam uma sociedade do lazer e viam no progresso tecnológico um meio que nos libertaria do trabalho foram desmentidas. Pior do que isso: a evolução e multiplicação dos utensílios, em vez de serem factores de libertação, dilataram o tempo de trabalho e elevaram à máxima potência a lógica económica que se realiza na corrida pelo aumento da produção e do lucro.
Evidentemente, isso só foi possível pondo em prática métodos de gestão que submetem, controlam, pressionam, induzem a uma competição que quebra solidariedades e criam delatores. Veja-se, aliás, como o apelo governamental à delação – algo que outrora seria considerado abjecto – se começa a generalizar.
O burn-out consiste em ultrapassar o limiar da resistência a uma adaptação violenta, coerciva, que, no limite, exige dos empregados que eles sejam “empreendedores” e, até, que os artistas se inclinem perante os códigos e as prerrogativas das indústria culturais.
Adaptação e flexibilidade são os nomes da actual ideologia do trabalho e da produção.
A descoberta desta doença chamada burn-out deve-se muito a um médico americano (nascido na Alemanha em 1926), chamado Herbert J. Freudenberger, que a diagnosticou em si mesmo.Ao tratar de toxicómanos numa clínica de Nova Iorque, ele descobriu a certa altura que estava mais doente do que eles.
Esta situação é a regra em que vivemos: os hospitais estão cheios de médicos doentes; as escolas estão cheias de professores que temem mais as aulas e a avaliação a que estão submetidos do que os alunos que eles ensinam e avaliam; os guardas das prisões estão tão encarcerados como os detidos que eles vigiam. Não há exterior ao tempo de trabalho. E, imersos em tudo isto, aqueles que dizem combater o capitalismo, ou pelo menos as suas lógicas mais nefastas, não fazem senão exaltar o trabalho e fixar as formas de vida que ele implica. O axioma de Carl Schmitt, segundo o qual o nosso inimigo se assemelha a nós, encontra aqui uma bela confirmação.
António Guerreiro
in Ípsilon (21.03.2014)
domingo, 16 de março de 2014
Retornos
Retornos
Voltou. Não
disse nada.
Mas estava claro
que teve algum desgosto.
Deitou-se
vestido.
Cobriu a cabeça
com o cobertor.
Encolheu as
pernas.
Tem uns quarenta
anos, mas não agora.
Existe --mas só
como na barriga da mãe
na escuridão
protetora, debaixo de sete peles.
Amanhã fará uma
palestra sobre a homeostase
na cosmonáutica
metagaláctica.
Por ora dorme,
todo enroscado.
SZYMBORSKA,
Wisława. Poemas. Tradução de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
Psicoterapia
terça-feira, 11 de março de 2014
Nós somos um bocadinho mais que uma reacção química?!
Recentemente
estive a conversar com um jovem sobre a sua ansiedade, que era sentida por ele
como muito intensa. Quando lhe perguntei acerca do que seria a sua ansiedade
ele disse que não sabia. Quando lhe sugeri que podíamos tentar explorar sobre o
que se tratava a ansiedade ele disse que era tão intensa que devia ser bioquímica.
Isso significava que para ele a ansiedade não podia ser entendida como sendo
psicológica, mas tinha que ser tratada como parte da sua “doença”. Eu reconheci
que a ansiedade envolve bioquímica, mas mostrei-lhe que também existem
experiências e interpretações das experiências que despoletam reacções
químicas. Por exemplo, se alguém aponta uma arma na nossa direcção,
provavelmente vamos sentir um intenso processo bioquímico dentro de nós mas a
experiência não seria “apenas bioquímica”.
Se
as pessoas procuram compreender (se) e trabalhar os seus problemas emocionais é
essencial que tenham curiosidade sobre as suas experiências/vivências e possam
reflectir sobre o que os pode ter desencadeado. Por vezes essa curiosidade ou
reflexão trás importantes informações sobre essas experiências, e pode, por
vezes, permitir a identificação do que fez despontar a ansiedade e dessa forma possibilitar
a sua resolução. Claro que situações de ansiedade e de depressão, normalmente têm
origem em experiências muito mais complexas, e implica uma maior reflexão.
Vivemos
numa sociedade que não gosta da complexidade e da reflexão profunda, de modo
que já temos um viés na direcção de pensar que as emoções perturbadoras não
fazem sentido e rapidamente concluir que se trata apenas de uma questão química.
Este viés faz-nos pensar que não devemos vivenciar estados emocionais
perturbadores, por isso temos tendência a afastá-los ou a dissociá-los o que
torna mais difícil entendermos as causas e decidir o que fazer com eles.
Aqueles
que comercializam drogas psiquiátricas aproveitam este viés cultural para
oferecer uma pseudo-explicação sedutora, de que os estados emocionais
indesejáveis e que não são facilmente resolvidos devem ser o
resultado de um "desequilíbrio bioquímico" ou algum outro problema biológico. A nossa cultura tornou-se
fortemente influenciada por esta forma de ver as coisas, ao ponto da maioria
acreditar que os problemas emocionais graves para os quais não há uma
explicação fácil devem ser causados por uma falha bioquímica, em vez de ser
algo que pode ser potencialmente compreendido e resolvido.
O
triste resultado deste esforço de marketing tem sido o drástico agravar da
tendência cultural para evitar ouvirmo-nos uns aos outros e a nós mesmos.
Qualquer problema mental ou emocional que não pode ser resolvido rapidamente é
"bioquímico" e não vale a pena sequer tentar entender, pelo
contrário, devemos partir logo para as drogas.
Quando
as pessoas estão traumatizadas ou quando experimentam conflitos que excedem a
sua capacidade de lidar com eles dá-se uma dissociação. Quando a dissociação é
o problema, há uma necessidade de trabalhar no sentido de uma maior compreensão
e integração. No entanto, o efeito da crença no desequilíbrio bioquímico vai
aumentar a dissociação. Ao invés de se questionar acerca das origens da ansiedade
ou da depressão, por exemplo, a pessoa convencida de que é um desequilíbrio
bioquímico procura apenas livrar-se dela sem tentar compreender a sua origem
interna.
Quando
as pessoas estão convencidas que os seus problemas são bioquímicos têm menos
propensão em explorar o problema com outras pessoas ou com um terapeuta. E,
quando o terapeuta está convencido de que o problema do paciente é
"bioquímico" então, deve aconselhá-lo a procurar tratamento através
da medicação. (as teorias do “ desequilíbrio bioquímico" também são óptimas
para explicar as falhas de compreensão por parte dos terapeutas!)
O
resultado final desta desinformação provocada pelo marketing pode ser
extremamente iatrogénica, e ser uma das causas primárias, juntamente com os
efeitos secundários a longo prazo das drogas, do agravamento da saúde mental.
Adaptado e traduzido daqui
Psicoterapia - uma definição
Gostaria
que houvesse alguém que ouvisse a minha confissão.
Não um padre. Não quero que me digam os meus pecados.
Não a minha mãe. Não quero causar tristeza.
Não uma amiga. Não entenderia o bastante.
Não um amante. Seria parcial demais.
Não Deus. Ele é tão distante.
Mas alguém que fosse ao mesmo tempo
o amigo, o amante, a mãe, o padre, Deus e ainda um estranho.
Não julgaria, nem interferiria
e, quando tudo tivesse sido dito desde o inicio até o fim,
mostraria a razão das coisas, daria força para continuar
e para resolver tudo à minha própria maneira.
Poema de 1916, atribuído a uma adolescente americana de 15 anos.
domingo, 9 de março de 2014
A perda da alteridade
Este vídeo da Save the
Children anda a causar furor no mundo, no mundo «civilizado», que o outro
não tem YouTube. No YouTube, já conta com quase 20 milhões de visualizações. A
apresentação do filme está
aqui, dizendo-se que três anos de guerra civil na Síria já custaram a vida
a 11.000 crianças. Há um milhão de crianças refugiadas. Mas, por mais que a
estatística nos arrepie, este filme, que segundo me parece representa o que
seria o crescimento e o dia-a-dia de uma das «nossas» crianças se vivesse na
Síria, é o nos que causa mais incómodo e indignação. Como se, para nos
sentirmos sírios, necessitemos de ser figurados como «nós», ocidentais e
caucasianos, vivendo nas nossas cidades, nas nossas escolas, andando nas nossas
ruas e saltando por parques relvados. Talvez isto seja a prova de que perdemos
o sentido da alteridade, a capacidade de nos colocarmos por inteiro na posição
do outro – e que só através da representação dos outros como «nós» somos
capazes de nos comover e impressionar. O mundo é um lugar estranho.
A Interpretação dos Sonhos
“A interpretação dos sonhos é a
via régia que conduz ao conhecimento do inconsciente da vida psíquica.” S.
Freud
Na “Interpretação dos Sonhos”
(1900) S. Freud lança ideias inovadoras que vão permitir uma nova compreensão
dos sonhos, defendendo que se trata de uma actividade psíquica organizada e com
leis próprias. O sonho é produzido pelo próprio sonhador e não provém de uma
fonte exterior a ele. Desta forma demarca-se dos métodos tradicionais de
interpretar os sonhos recorrendo à decifração em função de chaves simbólicas
culturais associadas a uma previsão do futuro.
A melhor metáfora para explicar
de forma simplificada o facto de o sonho ter normalmente uma aparência estranha
e confusa talvez seja a da “censura”.
No seu percurso de formação o
sonho passa por uma censura (situada entre o inconsciente e o consciente) que
determina se ele pode ou não prosseguir os seus intentos. Para conseguir
enganar a censura ele necessita de mudar a sua aparência através de um
mecanismo de distorção (trabalho do
sonho: processo que transforma o conteúdo latente em conteúdo manifesto). O
sonho é composto pelo conteúdo latente
(pensamentos/desejos que estão ocultos e serão mais tarde
descodificados/interpretados recorrendo ao método da associação livre) e pelo conteúdo manifesto (corresponde aquilo que
o indivíduo sonha e se recorda de forma mais ou menos imprecisa quando acorda)
que normalmente é composto por materiais/acontecimentos recentes (restos diurnos).
O sonho manifesto, ou seja,
aquilo que a censura permitiu que viesse até à superfície da consciência, foi alcançado
devido a uma máscara de aparência inócua e de significado praticamente
impenetrável. Para transformar o sonho nessa coisa inocente/inofensiva/caótica/desconexa
foi necessário recorrer a certas ferramentas: condensação (consiste em reunir num único elemento vários elementos;
muito poderoso; torna o sonho difícil de entender); deslocamento (substitui os pensamentos mais significativos do sonho
por pensamentos acessórios, desfocando o conteúdo importante e dissimulando a
realização do desejo); representabilidade
(transforma os pensamentos do sonho em imagens); elaboração secundária (consiste em apresentar o conteúdo onírico
sob a forma de um cenário coerente e inteligível); dramatização (procedimento análogo ao do encenador que transpõe o
texto escrito para a representação).
É através desta acção conjunta
organizada que se forma o sonho, “o guardião do sono”.
terça-feira, 4 de março de 2014
Os medos
"É a medo que escrevo. A medo penso,
A medo sofro e empreendo e calo.
A medo peso os termos quando falo.
A medo me renego, me convenço.
A medo amo. A medo me pertenço.
A medo repouso no intervalo
De outros medos. A medo é que resvalo
O corpo escrutador, inquieto, tenso.
A medo durmo. A medo acordo. A medo
Invento. A medo passo, a medo fico.
A medo meço o pobre, meço o rico.
A medo guardo confissão, segredo,
Dúvida, fé. A medo. A medo tudo.
Que já me querem cego, surdo e mudo".
A medo sofro e empreendo e calo.
A medo peso os termos quando falo.
A medo me renego, me convenço.
A medo amo. A medo me pertenço.
A medo repouso no intervalo
De outros medos. A medo é que resvalo
O corpo escrutador, inquieto, tenso.
A medo durmo. A medo acordo. A medo
Invento. A medo passo, a medo fico.
A medo meço o pobre, meço o rico.
A medo guardo confissão, segredo,
Dúvida, fé. A medo. A medo tudo.
Que já me querem cego, surdo e mudo".
José Cutileiro
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