Embora o “mundo natural” seja o mesmo para qualquer sociedade,
cada uma vai percebê-lo e decompô-lo para em seguida dar-lhe sentido, dentro
das associações sintagmáticas que aquela sociedade criou para “ler o mundo”. O
discurso interpretativo que surge daí é tributário do sistema simbólico da
sociedade em questão, que está sujeito ao universo imaginário e fantasmático
desta mesma sociedade: não existe um paradigma único, universal.
Vivemos nossa sexualidade dentro do imaginário da sociedade onde
estamos inseridos. Desconhecemos que somos guiados por convenções culturais, e
acreditamos na existência “natural” de sujeitos heterossexuais, bissexuais e
homossexuais. Esta crença, evidentemente ideológica, é vivida como algo
intuitivo, universalmente válido, desde sempre, para todos os sujeitos. É por
isto que uma das coisas mais difíceis a suportar é a diferença, sem que ela
seja vivida como uma ameaça. Aceitar que o outro possa ser diferente abala
nossa verdade, e mostra que a verdade é sempre a verdade de cada um, o que
desvela a ilusão da existência de uma identidade última e absoluta, e revela
que nossos referenciais são construções com tempo de vida limitado.
O discurso social, que constrói as referências simbólicas do
masculino e do feminino e dita os parâmetros que definem a “sexualidade de
normal”, contribui não só para a invenção da homossexualidade como também para
que o sujeito homossexual, marcado pelos ideais da sociedade, se sinta
“desviante”, posto que excluído do discurso dominante. Os homossexuais nascem
em uma sociedade cuja organização simbólica cedo lhes ensina que sua forma de
viver a sexualidade é errada. Uma pessoa durante um processo analítico disse:
“primeiro aprendi que ser homossexual era anormal. Depois, descobri que era
homossexual. Ou seja, que era anormal. O que fazer?”.
Visto que os padrões da sexualidade humana são criados e não
inatos, há de se considerar a importância da história libidinal de cada um na
origem de sua solução sexual. Esta história, por sua vez, é construída por
marcas identificatórias sucessivas, resultado de investimentos libidinais em
diferentes registros (simbólico, imaginário e fantasmático), originados nos
encontros desse sujeito com outros sujeitos. Dito de outra forma: o ser humano
possui uma sexualidade. E esta sexualidade, devido à singularidade da história
de cada um terá um destino particular: não há uma única maneira que se proponha
certa, única e universal para as manifestações da sexualidade.
Se a relação sexual não existe, é porque no inconsciente não existe
a inscrição psíquica da diferença sexual: “a função fálica não impede os homens
de serem homossexuais” (Lacan, 1972-73, p. 97). O homossexual, como o
heterossexual, tem acesso a uma forma de gozo fálico.
Não existe um sujeito homossexual, assim como não existe um
heterossexual ou bissexual. Existem moções pulsionais e movimentos
identificatórios que se deslocam, mais ou menos livremente, e que se manifestam
nas escolhas objetais que sustentam as diversas expressões da sexualidade.
Contudo, estas últimas não definem o sujeito.
Os ideais sociais direcionam os investimentos libidinais, criando
assim uma sexualidade “normal”, o que não deixa de ser, como demonstra Foucault
(1976), uma forma de controle. Para a psicanálise – que vem mostrar o quão
ilusório é falar de “normal” em se tratando de pulsão –, o relevante é tentar
compreender a dinâmica que subjaz as diferentes orientações sexuais. Nesta
perspectiva, tanto a hetero quanto a homossexualidade são posições libidinais e
identificatórias alcançadas pelo sujeito ao longo de seu trajeto pulsional.
Excerto de “A
invenção da homossexualidade”
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