O
termo Psicanálise Relacional foi introduzido em 1983 por Stephen Mitchell e Jay
Greenberg no livro Relational Concepts in
Pshychoanalysis. Ele desenvolveu-se a partir da convergência de diversas
correntes importantes na teoria psicanalítica que se afastaram muito do modelo
pulsão/estrutura, no qual as pulsões têm papel central na vida psicológica.
As
teorias relacionais postulam que “as relações com os outros constituem os
blocos fundamentais na construção da vida mental”.
O
termo relacional, tão amplo, inclui interações entre o indivíduo e o mundo
social, relações interpessoais internas e externas, autorregulação e regulação
mútua, formando, assim, uma ponte entre os espaços interpessoal e intrapsíquico
(Lewis Aron, 1996).
O
modelo relacional vê as operações da mente como sendo diádicas e
interativas na sua natureza; a experiência surge num campo interativo entre
pessoas, e a situação analítica é compreendida na psicanálise relacional como
sendo moldada pela participação contínua do analisando e do analista, bem como
pela construção mútua do significado, da autenticidade e das novas experiências
relacionais.
Os
antigos padrões relacionais repetem-se, mas espera-se que cada dupla
analista-paciente consiga descobrir modos singulares de ir além da situação de
aprisionamento ao passado, e consigam construir e negociar novas formas de
estarem um com o outro. Busca-se menos a verdade objetiva e mais o significado
do que eles sejam capazes de construir.
O
modelo relacional reforça a ambiguidade da realidade: cada indivíduo tem seu
ponto de vista plausível; todo conhecimento tem como base uma perspectiva, mas
há outras perspectivas e outros centros de subjetividade além do nosso (Aron,
1996).
O
primeiro e mais importante desvio que levou a teoria psicanalítica a avançar do
modelo freudiano de desenvolvimento, de psicopatologia e tratamento do
paciente, que era um modelo de “uma pessoa”, para um modelo de “duas pessoas”,
ou relacional, foi feito por Ferenczi.
Desde
muito cedo, Ferenczi chamou a atenção para o analista como pessoa real,
percebida pelo paciente em matizes subtis do seu comportamento e diante das
quais o paciente reage. Deste modo, a transferência do paciente não surge
exclusivamente de dentro dele; ela é influenciada pelos comportamentos e pelas
intervenções do analista.
Segundo
Fairbairn, a motivação fundamental dos seres humanos é procurar ligações com os
outros. Cada indivíduo molda os seus relacionamentos conforme padrões de relação
que trazem internalizados desde os seus mais precoces relacionamentos significativos.
Os modelos de ligação com os primeiros objetos tornam-se as formas
preferenciais e esperados de relacionamento com novas pessoas.
Os
novos objetos amorosos são escolhidos pela sua similaridade aos objetos
satisfatórios ou insatisfatórios do passado, e as interações com os novos
parceiros desencadeiam os antigos comportamentos esperados. As novas
experiências são processadas e interpretadas conforme as antigas expectativas.
Segundo
ele, os pacientes não podem abandonar as ligações aditivas aos antigos objetos,
a menos que acreditem e confiem que é possível desenvolver novos modos de
relacionar-se que, de facto, eles podem ser ouvidos e vistos. Definiu o
progresso analítico como sendo o resultado de uma capacidade modificada de se
relacionar com os outros (Mitchell e Black, 1983).
O
desvio conceptual da abordagem de “uma pessoa” para a abordagem de campo de “duas
pessoas” tem, naturalmente, muitas consequências na situação analítica.
O
método psicanalítico clássico baseia-se na premissa de que a psicanálise
oferece ao paciente um tipo peculiar de experiência, por meio do
estabelecimento de uma situação analítica cuidadosamente controlada: o divã, a
frequência das sessões, quatro ou cinco vezes na semana, a regra fundamental da
livre associação, o analista silencioso na maior parte do tempo e encoberto
pelo anonimato são fatores técnicos que possibilitam ao paciente passar por uma
experiência que activa antigas recordações e padrões da infância.
O
elemento central desta visão é a premissa de que as experiências do paciente em
análise se originam a partir do interior do paciente e se expandem no espaço
analítico cuidadosamente planejado que a técnica clássica proporciona. Essa
premissa torna o modelo clássico essencialmente numa perspectiva de “uma pessoa”.
O encontro analítico funciona como uma máquina do tempo, na qual o paciente
retorna ao seu passado por deslocamentos temporais da transferência. A pessoa
do analista não é importante, já que o seu papel funcional é o de operador da
máquina do tempo. Se for competente, o analista vai proporcionar uma função
genérica que dá ao paciente a capacidade de experienciar, examinar e
compreender mais plenamente seu passado.
A
acção terapêutica dentro do modelo relacional depende do estabelecimento de um
ambiente seguro no qual cada elemento da dupla contribui com percepções
singulares que têm a sua própria experiência compartilhada. À medida que os
padrões relacionais do início da vida do paciente vão sendo reencenados dentro
do espaço analítico, os laços afetivos patológicos que o prendem a antigos
objetos vão ser realçados e mantidos em rigoroso contraste com os
relacionamentos novos, e espera-se, mais adaptativos e flexíveis, que paciente
e analista lutam para negociar no presente.
Por
meio do processo de contrastar, integrar e apreciar os matizes de perspectivas
e subjetividades alternativas, diferentes das nossas, é que o paciente e
analista constroem – em conjunto – uma visão compartilhada do mundo que existe,
além das paredes do self, a partir de duas perspectivas diferentes.
Referências:
Sauberman, P. R. (2009). Psicanálise relacional contemporânea da pulsão para a relação. Rev. bras. psicanál v. 43 n.1 S. Paulo
posts relacionados: Psicanálise e Psicoterapia Relacional - uma introdução