ESTILO
– Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de
histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu
próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?,
acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro… Está a
ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa
caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida… compreende?… a
nossa vida, a vida inteira, está ali como… como um acontecimento excessivo… Tem
de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja?
Vejamos: o estilo é o modo subtil de transferir a confusão e a violência da
vida para um plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender?
Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela,
reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma
operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum,
suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem
para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que
seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos? (...)
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